Eu
não estava apenas cumprindo ordens. Sim, eu tinha prazer naquilo. E acreditava
profundamente
que estava fazendo a coisa certa. E acho que é o mesmo caso
daqueles nazistas estúpidos que repetiam exaustivamente a famosa frase: só cumpríamos
ordens! Não acho que ninguém que se preste ao papel de executor ou torturador
esteja friamente seguindo instruções. Matar ou causar dor a um homem é uma
coisa terrível e exige um grau de comprometimento imenso. Embora tenha hoje
profundo arrependimento, sei que tudo que fiz, o fiz de coração e prazer. Era o
ano de 1969 e trouxeram esse sujeito. Disseram que era religioso e que auxiliava
os opositores na luta armada. Iniciamos o interrogatório como sempre: fazendo
perguntas e mostrando os instrumentos. Como não disse nada, logo ele estava
despido e levando tapas na cara. As perguntas foram repetidas e o sujeito
continuou calado. Só emitia algum som quando apanhava. Éramos três, mais o
delegado naquela sala. A sessão continuou com xingamentos e ameaças. Suposições
de que o homem era um sodomita e que na igreja não podiam existir comunistas.
Eu juro que nessa hora, o homem pareceu rir. Nenhum dos meus colegas viu isso,
mas ele pareceu sorrir brevemente. E isso era uma indicação do que estava por
vir. Colocamos o homem no pau de arara e passamos a apagar as bitucas de
cigarro nele. As perguntas continuavam, mas o sujeito apenas negava saber as respostas.
Era tão claro que estava mentindo que em determinado momento o delegado perguntou
seu nome e ele respondeu: não sei. Iniciamos os choques elétricos. Peito, membros,
cabeça, boca e genitália. Ele berrava, mas não dizia nada. Acabou fazendo suas
necessidades ali mesmo, mas isso era esperado. Acendemos mais cigarros para
disfarçar o fedor e os apagamos no rosto do infeliz. Em um momento, eu o vi
olhando para mim. E havia uma expressão de desprezo e superioridade em seu
olhar. Voltamos a tortura com força total até a madrugada. Nenhuma informação.
O interrogado desmaiou. Saímos da sala conversando, especulando as
possibilidades do homem ser o mais durão de todos ou realmente não saber muito.
Voltei a sala sozinho depois e vi que o homem estava acordado. E havia algo
estranho nele. Toda sua pele estava avermelhada. Por um momento achei que
aquilo podia ser em razão dos choques, embora nunca tivesse visto algo igual. Fui
e me aproximei dele que olhou para mim. Vi que seus olhos haviam mudado: eram
fendidos como os de uma serpente. Ele se soltou com facilidade. Se pôs diante
de mim e seu corpo começou a mudar. De um homem de estatura média, se
transformou num brutamontes vermelho, de olhos demoníacos, chifres e boca
larga. A caricatura de um diabo... Peguei minha arma, mas me senti tonto. O
sujeito disse que nos amava. Meus colegas adentraram a sala, o derrubaram no
chão, algemando-o. Foi conduzido a uma cela. Ninguém parecia ver sua mudança. No
outro dia sumiu. E aquilo se transformou no maior mistério ali. Colegas
chegaram a achar que eu tinha facilitado a fuga. Isto apenas porque haviam me
encontrado sozinho com ele na sala, solto... E eu de arma na mão sem fazer
nada. Fui interrogado e ameaçado. Por pouco não fui torturado também. Retornei
as minhas atividades depois. Certo de que o demônio em pessoa tinha vindo ali
para nos parabenizar. Perdi o gosto pela tortura e morte. Foi a primeira vez
que temi que minha alma imortal fosse para o inferno, na verdade, a primeira
vez que cogitei ter uma alma. E assumi quem eu realmente era, independente de
ordens.
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