É
como a rotina de Sísifo, disse o sujeito infeliz! Acordo pela manhã depois do
breve sono recheado
de pesadelos, experimento um instante de descanso e aí
começa tudo de novo... Interessante, falou o psicólogo, mas na sua expressão
não havia nada condizente com suas palavras. Definitivamente não parecia achar
nada interessante. Talvez sua foto até coubesse em um dicionário ilustrado para
a palavra: aborrecido. Ainda assim o outro continuou. Não parecia se importar,
queria narrar: Vem aquela tristeza, uma sensação de que estar vivo não vale a
pena. Tomo meu café e fumo o primeiro cigarro pensando nisso. Pensando em
suicídio... No caso, eles, você se refere a quem? Perguntou o homem de ar
aborrecido. Aos demônios, claro. Quem mais poderia ser? Eu já falei isso. Eles
ficam no inferno e tem esse que vem perturbar! Mas vou já chegar lá doutor,
falou o infeliz. Continuou: Eu tento fazer minhas coisas, trabalhar com as
vendas. Eu já lhe disse que trabalho vendendo material hidráulico? Sim... Pois
é, trabalho, sou especialista em privadas e equipamentos de descarga, mas
enfim. Eu fico boa parte da manhã na loja lutando contra os pavores e os
idiotas que não entendem nada do fluxo de água e merda. As vozes o tempo todo
na minha cabeça, as assombrações que se escondem por detrás das caixas no
almoxarifado. É quase impossível não levar um ou dois sustos cada vez que vou
lá atrás. Sabe como é, doutor, não tem como acostumar com essas coisas do outro
mundo. Lá pelas nove, saio pra fumar um cigarrinho e tomar outro café. De lá de
onde trabalho, posso ver minha casa. Eu moro sozinho, mas tem sempre alguém lá.
Muito complicado poder ver esse mundo. A gente luta todo dia e o pior é saber que
é tudo em vão. Como a luta de Sísifo que eu falei pro senhor... Você tinha dito
isso antes. Que vê o outro mundo e é atormentado, mas que tem uma coisa que
piora tudo. Que queria saber se o senhor não suspeita que isso apenas coisa da
sua cabeça... O paciente pareceu desapontado. Gostaria de contar mais uma vez
toda sua história. Subitamente sua imagem agora ficou ideal para o dicionário
ilustrado onde tivesse a palavra desapontamento. Ainda assim resolveu
continuar: Bem, exatamente às onze e cinquenta e nove, esse demônio chega...
Exatamente nesse horário? Nunca atrasa ou adianta? Com essa pergunta o doutor
fez o homem falar num tom irritado: Nunca! É exatamente nessa hora, disse! Dá
até pra acertar o relógio. Daí em diante fica o tempo todo comigo, me
atormentando, sussurrando coisas e me mostrando imagens terríveis... Certo,
certo. Em suma, ele lhe perturbada e depois? O doutor quis saber na esperança
de obter um resumo. Era a segunda sessão e na primeira o infeliz tinha gastado
mais de uma hora descrevendo sua situação até onze e cinquenta e nove da manhã
não lhe dando tempo de lhe dizer que conclusões tivera. Pelo visto iria repetir
tudo. O que era desnecessário, não importasse a história. Aquilo não era um
caso para psicoterapia. O sujeito era mesmo maluco. Tinha alucinações e
provavelmente teria que tomar remédios. Falou que ia encaminha-lo para outro
profissional. No outro dia soube que ele tinha se matado. Lamentou o ocorrido,
porém estava certo de que fizera o que pôde. Umas semanas depois, começou a
sentir uma sensação ruim por volta do meio dia. Uma vez olhou para o relógio e
viu marcar onze e cinquenta e nove. Sentiu-se observado. Viu uma criatura
terrível diante dele. Não, aquilo não podia ser real, gritou uma voz em sua
mente. Ele não acreditava em demônios, aquilo não podia ser verdade. Olá,
doutor, disse o demônio. Não importa quem seja...
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