Ele
era um homem cruel e avarento desde sempre. E sua avareza fora a razão do fim
da sua família. A
mulher morrera porque ele se recusava a comprar tantos
remédios. Depois do falecimento, os filhos foram embora. Ficou sozinho, vivendo
na imensa casa onde cada dia mais armazenava coisas. Em oito meses encheu totalmente
os quatro quartos, em cinco, acumulou coisas até o teto na sala, sala de jantar
e cozinha. Dois meses depois, tinha que se espremer para passar num espaço
mínimo, formado por um amontoado de coisas no corredor. Em cada compartimento,
havia menos de um metro de espaço não ocupado. O suficiente apenas para que ele
se posicionasse para contemplar sua obra. Tudo que encontrasse no seu dia a dia
pela rua, trazia para casa. O que trazia mais, sem o saber, era uma essência
invisível juntamente com alguns daqueles objetos. Talvez atraído também pelos
seus pecados. Algo ruim, sujo, ensebado e destrutivo. Antes ele até se
preocupava com própria higiene tomando banho todos os dias, lavando e trocando
de roupas. Com o tempo foi deixando de se lavar e cuidar das vestimentas, se
tornando semelhante a um morador de rua, embora tivesse casa e um bom salário
de aposentado. Sua seleção de material também mudou. Antes tinha preferência
por madeira, peças de automóveis, eletrodomésticos e metal... Mudou seu
critério e passou a trazer quase tudo. Sacos de lixo cheios sem sequer examinar
o conteúdo. Plásticos, papéis, tecido velho e sujo e até restos de comida. Sua
aparência era deplorável. Dormia num canto estreito, reservado, entre caixas
que chegavam ao teto. Todas as noites, antes de dormir, ouvia barulhos e
movimentos no acumulado de lixo, seguindo em onda, inexplicável. No começo
achou que tivesse infestado de ratos, depois que um guaxinim tinha invadido a
casa... Guaxinins, porém logo percebeu que nenhum animal faria aquele tipo de
coisa. Havia algo por detrás daquela montanha de lixo. Algo que trouxera ou
atraíra. Isso pareceu lhe desenvolver uma atração mórbida. Percebeu isso quando
exultou de alegria ao trazer para casa um velho crânio do cemitério. Estava por
lá pegando rolos de arames usados para sustentar coroas de flores, quando se
deparou com os restos mortais. Não pensou duas vezes, peguei o crânio
desdentado e sem maxilar e jogou no seu carrinho. Voltou ao cemitério em busca
demais. Levou ossos, depois mais crânios. Passou a limpa-los, fixar os
maxilares com arames, poli-los e coloca-los sobre uma pequena estante. Não
diminuiu o interesse nos outros materiais, porém os crânios e ossadas se
tornaram um tesouro. Ia toda semana ao cemitério. Discreto, fingindo outros
interesses para não ser descoberto, revolvendo covas abertas em busca de restos
mortais. À noite ficava no seu canto, sentindo o odor misto do lixo e ossos de
defunto, vendo na meia luz, o lixo se movendo em fluxo, por algo inexplicável.
Ele tinha uma clara sensação de que afundava na lama, no lixo e sujeira viva,
como a suposta sopa química do começo dos tempos de onde se originara vida. E
ao mesmo tempo ele sentia ódio do que era limpo, das pessoas. Isolado, nem
lembrava qual fora a última vez que trocara palavras com outra pessoa. Ainda
assim, sentia que não estava só. Alguma coisa do lixo viera caminhar ao seu
lado. Uma espécie de encosto, como diziam. Uma sombra invisível que o seguia
por toda parte e que nadava a noite naquela sujeira toda. Um dia ambicionou ter
um crânio fresco. Curtir a pele de algum indivíduo também lhe pareceu
interessante. Matou um moleque de quinze anos, também catador que encontrou num
dos terrenos baldios da cidade. Levou o corpo mirrado do menino no seu
carrinho. Dali não parou mais. Meses depois, quando morreu num terrível
incêndio no monte de lixo que acumulara em casa, foram encontrados trinta e cinco
crânios e incontáveis ossos calcinados. Fora da casa, sob um pequeno abrigo, um
espaço com pia, facas e outros objetos destinados a tratar dos cadáveres. Ali
também havia pele, mãos e pés humanos. Nunca se soube quando deixara de roubar
ossos para cometer assassinatos. terça-feira, 27 de agosto de 2019
terça-feira, 20 de agosto de 2019
NEGLIGENTE (Conto de terror)
Os
dois policiais se surpreenderam grandemente ao ver o rapaz nu e cambaleante
pela rua naquela
tranquila manhã. Se entreolharam e, sem dizer nada, saíram quase
ao mesmo tempo da viatura. Hesitantes, cercaram-se do rapaz que os olhou
lentamente, revelando estar sob efeito de álcool ou alguma outra droga. Talvez
um misto dos dois. Afinal nada era demais para a juventude. Nunca se sabia que
tipo de surpresa tosca ou desagradável os jovens proporcionariam. “Que
aconteceu, rapaz? ” Perguntou o policial mais velho. O rapaz o encarou como se
não tivesse entendido o que ele havia dito. “Que foi que houve? ” O outro
policial perguntou. O jovem disse algo ininteligível revelando ainda mais seu
estado alterado. O policial mais velho balançou a cabeça, voltou-se para o
parceiro e sugeriu que ele talvez tivesse sido drogado e roubado. O outro
concordou com a possibilidade. O rapaz estava nu, as mãos à frente, escondendo
a genitália, ombro encostado no muro. Ele voltou a falar e disse coisas
incompreensíveis, mas o que chamou a atenção foi o fato de fazer indicações,
revezando nos gestos e a proteção ao próprio sexo. Parecia indicar um lugar e
fazia isso com uma estranha expressão no olhar. Os homens ficaram conversando,
especulando sobre o que o jovem podia estar indicando. “Ele tá indicando algo.
Será que é onde foi roubado?” Se perguntou o policial mais velho. O outro se
aproximou ainda mais do rapaz e falou pausadamente: “O-que-a-con-te-ceu-e-xa-ta-men-te-com-vo-cê?”
Talvez assim ele pudesse entender e dar uma resposta mais clara. O jovem
repetiu os gestos e falou coisas que não deu pra entender. O policial mais novo
teve a impressão de que ele estava falando em outra língua. Fez outras
perguntas pausadas, mas não houve progresso. “Isso não tá funcionando...” O
policial mais velho pediu calma. Conduziu o rapaz para dentro da viatura, para
a parte detrás, como um prisioneiro. “O que vai fazer?” quis saber o policial
mais jovem. Seu colega explicou que iam leva-lo pelo caminho indicado, talvez
pudessem entender o que tinha acontecido. Qualquer coisa, o levariam para a delegacia.
Apesar da situação, o rapaz pareceu mais tranquilo. Em poucos minutos, os
homens da lei pararam diante de um prédio. Conduzidos pelo jovem, que parecia
nervoso ou excitado, os homens entraram e subiram alguns lances de escada. O
policial mais jovem parecia preocupado, mas seu parceiro estava bastante
tranquilo e disse apenas para o outro ficar atento, nada mais. Só iam
esclarecer aquela história. Pararam diante da porta de um apartamento. O rapaz
algemado fazia indicações ainda mais veementes e parecia assustado. O policial
mais velho bateu à porta. Um homem alto e loiro surgiu na porta. Pareceu
surpreso, ainda mais ao ver o rapaz ali, quase se escondendo atrás dos homens
da lei. A história toda foi contada. “Os senhores queiram desculpar a mim e meu
parceiro”, iniciou o homem do apartamento. “Nós somos amantes, estávamos bebendo,
depois fomos fazer umas brincadeiras... A coisa não saiu bem e começamos a
brigar. E ele fugiu. Como podem ver tão bêbado que deixou as roupas!” O
policial mais velho olhou para o colega com ar jocoso. “Amantes? Brincadeiras?”
Os dois homens da lei se esforçaram para não rir. Tudo fora esclarecido e
apesar daquela perversão, estava tudo bem. Os policias gentilmente conduziram o
jovem ao namorado, mas este pareceu assustado. Falou outras coisas
ininteligíveis. Descendo as escadas, os policiais começaram a rir. “Dois
anormais!” Disse um. “Pelo menos fizemos a boa ação de reunir os pombinhos”,
disse o outro e riu ainda mais. Enquanto isso, no apartamento, o jovem nu era
estrangulado até a morte pelo homem loiro. “Agora você não me escapa!” Depois
este fez sexo com o cadáver do rapaz, o cortou em partes, comeu sua carne nas
semanas seguintes e guardou sua cabeça como um troféu. sexta-feira, 16 de agosto de 2019
O ESTRANHO CASO DO IRMÃOS URIAS (Conto de terror)
Fernando
e Felipe Urias tinham respectivamente, doze e dez anos quando a mãe deles
faleceu. Os
garotos moravam na periferia do Rio do Janeiro com a mãe, duas
tias, a avó e alguns primos. O pai deles havia sumido a pelo menos cinco anos.
A mãe, sofrendo de depressão, se enforcara numa árvore, no quintal de casa. Um
mês após a morte dela, fenômenos estranhos começaram a acontecer. Objetos saíam
do lugar, barulhos estranhos eram ouvidos pela madrugada, coisas pegavam fogo e
desenhos escritos, com o que parecia ser sangue, surgiam nas paredes. A família
que tinha ligação com grupos evangélicos, chamou os religiosos para interceder
em orações pelos jovens. Logo na primeira intervenção, um jovem pastor viu um
clarão surgir entre os garotos e teve seu rosto queimado. O homem disse que
fora à casa com um certo ceticismo, mas comprovou que a coisa era para valer.
Um grupo de obreiros se reuniu numa noite em volta dos jovens e logo se viram
em meio a um turbilhão de objetos atirados contra eles. Apesar do testemunho de
familiares e dos religiosos, muita gente achou que os garotos estavam fingindo.
Ainda mais quando disseram que a mãe e outros espíritos falavam com eles.
Segundo os garotos, a voz deles surgia de madrugada e não os deixava dormir. A
tia deles disse ter ouvido vozes estranhas, nada parecida com a da irmã e que
não podia garantir que fosse os meninos que não estivessem fazendo imitações. Um
especialista em atividades paranormais foi até a casa da família Urias e disse
estar em dúvida sobre o caso se tratar de um poltergeist ou haunting. No
primeiro caso, se tratava de uma atividade psicocinetica ligada a um
adolescente manipulando objetos involuntariamente. No segundo caso, se tratava-se
de acontecimentos ligados a mortes violentas. No caso dos irmãos Urias havia
características de ambos. O especialista disse que apesar de, em ambos os
casos, haverem características comum, aquela situação em particular era
diferente e indistinta. Outros especialistas vieram e embora um ou outro
afirmasse ter classificado a situação devidamente, não houve propostas de uma
solução. Outros religiosos vieram, mas a situação das crianças apenas piorou.
Felipe sofrera terríveis queimaduras nas mãos e antebraços e Fernando tinha crises
de choro e eles já não se alimentavam ou dormiam direito. Então veio um homem,
em meio a tantos outros que visitavam a casa naqueles dias, que não alegou ser
especialista em fenômenos paranormais e nem enviado de Deus. Ele fez um pequeno
ritual lendo palavras ininteligíveis, lidas de um livro de capa de couro,
aparentemente antigo. Depois conversou a sós com os garotos por meia hora. Logo
em seguida os fenômenos cessaram. Os meninos logo se reestabeleceram, mas
ficaram taciturnos, isolados dos demais, sempre conversando em voz baixa pelos
cantos. Em uma noite, a tia os ouviu dizendo que o outro dia seria o dia certo.
Não deu importância para isso até se lembrar do ocorrido pouco depois de
encontrar os sobrinhos enforcados na mesma árvore onde a mãe deles também
cometera suicídio. No bilhete deixado por Fernando, havia a revelação de que o
homem que tinha acabado com os fenômenos viera para convencê-los do suicídio.
Alguém os esperava do outro lado e não eram apenas a mãe. E de maneira alguma
eles podiam ficar, pois suas presenças trariam o pior para a família. Apesar
das tentativas, que contaram com ajuda policial, ninguém jamais conseguiu
descobrir a identidade do homem que convencera os jovens.terça-feira, 13 de agosto de 2019
REFLEXÕES DE UM JOVEM MATADOR (Conto de terror)
Estou
aqui deitado, sozinho no escuro, pensando naquelas coisas e questionando minha
sanidade
. Indagando a mim mesmo o que senti e porque senti... Coisas
incompreensíveis que se misturam a sentimentos novos e conflitantes. Eu
simplesmente experimentei uma satisfação imensa com o que fiz. Ainda sinto os
braços trêmulos e o volume na minha mão esquerda... Todo o cheiro está em mim.
E eu diria que não apenas de uma maneira física. Eu o sinto em minhas narinas,
mas de uma maneira essencial. É difícil dizer. É como se o ato em si tivesse
uma espécie de energia que pairasse sobre mim. É algo vivo e tangível, embora
apenas pareça flutuar diante do meu peito e face. Falo assim, embora seja um
sujeito que nunca descreveu as coisas de maneira esotérica. Além disso, algo em
mim mudou. Claro que o assassinato deve mudar toda e qualquer pessoa que o
pratique, mas no meu caso, creio que virei a chave da minha existência para um
novo modo de vida. Um modo de vida que já estava lá, cuja suspeita eu observava
surpreso e comedido. Eu mexo meus dedos e sinto também o sangue secando em
minhas mãos e penso que foi para isso que elas foram feitas. Não deveria ter
demorado tanto a cumprir seu propósito... Ou talvez eu tenha feito as coisas no
momento certo. Tenho apenas 20 anos. Isso é ser jovem para qualquer profissão
ou atividade na vida. Acho que sou um pouco maluco... Ou me tornei depois do
que fiz. É nisso que eu mais penso. Não tenho nenhum remorso ou arrependimento,
mas não acho que eu seja um psicopata. Creio que meus sentimentos pelas pessoas
são apropriados. Gosto e odeio seres humanos normalmente e nunca maltratei
animais ou fui desprovido de empatia. Penso que para ser um psicopata, isto é
essencial. Ou não? Bem, não sou nenhum especialista. Só tenho certeza de que
sou um pouco maluco... Entretanto não muito mais que a algumas pessoas. Falo
dessa maluquice básica que movem os grandes gênios, artistas. Não que eu me
ache uma pessoa brilhante, genial, mas creio estar acima da média. Descobri no
assassinato um enorme prazer, um propósito de vida. Só isso. Sei que a maioria
não pensa assim. Os que matam são em geral bandidos, pessoas se vingando ou
completamente loucas. Não estou incluído em nenhum desses casos. Não nasci
doente ou completamente insano, mas capaz de ver na morte uma espécie de obra
de arte. Não, não devo ser o primeiro a pensar e dizer essas coisas. Talvez eu
esteja aqui apenas para reafirmar que pessoas como eu existem. E que não somos
simplesmente malucos ou perversos. Sou um assassino da mesma maneira que um
gato nasce para se alimentar de carne. Não há necessidade de questionar isso. O
que me incomoda agora um pouco é pensar que eu podia ter escolhido outras
vítimas para começar. Matar meu irmão, pai e mãe logo de cara, pode ser algo
extremo.quarta-feira, 7 de agosto de 2019
RASTROS DO PASSADO (Conto de terror)
Eu
tinha nove anos de idade, mas lembro bem. Nós morávamos numa cidade pequena e
tranquila.
Tão pequena e tranquila que continua praticamente do mesmo jeito
após esses trinta anos. Não que eu ainda a visite, não posso fazê-lo. Mesmo
sabendo pelas pessoas que lá vivem, que é um lugar absolutamente tranquilo,
para mim é uma cidade de fantasmas. São cinco pelo menos. Tudo começou quando
um garoto da minha rua foi encontrado morto num descampado. Havia sinais de
tortura e outras coisas que os adultos evitavam falar na minha frente, na
frente das outras crianças. Depois o mesmo aconteceu a outro garoto. Encontrado
sob alguns arbustos, próximo a um campo de futebol. A terceira vítima era um
garoto que eu conhecia bem. Acho que devo ter sido a última pessoa a vê-lo... E
tenho quase certeza de que eu podia ter sido a vítima no lugar dele. Nós
tínhamos sido os últimos a ficar em uma pracinha brincando nos velhos balanços com
tinta descascando. Eu fui embora e ele disse que ia ficar mais um pouco. Eram
pouco mais de dez da manhã. E nem o mais exagerado dos pais podia imaginar
alguém fazendo mal a crianças sob aquela luz do dia. Isaque sumiu e só foi
encontrado uma semana depois, em um matagal na entrada da cidade. Dessa vez os
pais, descontrolados, comentaram na frente das crianças as coisas horríveis que
tinham sido feitas. O menino fora queimado por cigarros, amarrado pelos pés e
mãos, cortado, sodomizado e depois enforcado. A pequena cidade ficou em pânico.
Ninguém lembrava de alguém que tivesse morrido de morte violenta naquele lugar.
O caso mais terrível tinha sido de um vaqueiro por conta de uma queda de
cavalo, anos atrás. Tão incomum quanto os crimes, era a presença de dois homens
recentemente chegados a cidade. Eles tinham vindo pouco antes do primeiro
desaparecimento, suscitando conversas sobre o seu modo de vida que causava
indignação nos homens e ruborização nas mulheres. Como assim eles não são
irmãos? São o quê?! Falavam os mais indignados Após a morte de Isaque, boatos e
rumores se voltaram contra os supostos pervertidos da cidade. Não demorou para
que acusações públicas começassem a ser feitas. E então, numa noite, um grupo
de pais exaltados, foi até a casa dos homens e os prendeu. Eles foram trazidos
até o nosso terreno, imenso naquele tempo. Ali foram julgados, condenados e
executados. Eu vi tudo pelas venezianas da janela do meu quarto, anônimo. Nunca
poderei esquecer seus gritos, seus rogos por misericórdia e a maneira como se
debateram ao serem erguidos pelo pescoço, enforcados sob a luz da luz e o
silêncio acusador do grupo liderado por meu pai. Depois os corpos foram
queimados. Alguns meses depois, na cidade vizinha, um maníaco foi preso por ter
raptado um garotinho. A polícia conseguira se antecipar, seguindo seu rastro,
libertando o menino a tempo! O homem confessaria seu rastro de crimes. O
silêncio sobre os dois homossexuais continuou. Eu olhava para o meu pai e era
incapaz de pensar noutra coisa que não aquele assassinato. E isso durou anos
Ele nunca falou sobre o caso. Faleceu sem arrependimentos aparentes. Eu, sentia
vergonha, mesmo sem culpa alguma. Na primeira oportunidade, deixei aquela cidade
para não mais voltar. Para mim, apesar de pacata, representa apenas: fantasmas,
injustiça, preconceitos e ódios soterrados.sexta-feira, 2 de agosto de 2019
ABDUZIDOS (Conto de terror)
-
Deus me perdoe, mas era preferível que tivessem sido encontrados mortos – disse
um dos pais de
um dos meninos em um momento de claro desespero. O grupo de
escoteiros de cinco garotos estava desaparecido há mais de uma semana. Os
adolescentes, experientes em explorar e acampar, haviam partido nessa expedição
sem um instrutor mais velho porque confiavam em suas habilidades e conhecimento
prévio da floresta. Já haviam acampado naquele local algumas vezes. Embora
dissessem que se tratava de uma floresta assombrada e misteriosa, o último caso
de desaparecimento registrado já tinha mais de vinte anos. Havia também as
histórias acerca de um ermitão que vivia em uma cabana no meio do mato, que
fora preso acusado de assassinatos – nenhum deles na floresta – e que tinha na
cabana um crânio humano. Embora essas histórias existissem e as pessoas
tentassem assustar umas às outras com o desaparecimento e o ermitão assassino,
o lugar era tranquilo e bastante frequentado por famílias inteiras que faziam
piqueniques às margens do lago no meio da floresta. Adolescentes mais
empolgados continuavam fazendo vídeos com seus celulares dos restos da cabana
abandonada do matador, simulando cenas do filme A bruxa de Blair e era só
isso... Até aquele domingo em que os escoteiros não atenderam seus telefones e
não mais regressaram. As buscas foram reforçadas por vários voluntários, além
do auxílio de helicópteros. Acharam o local do acampamento dos garotos, as
barracas ainda estavam armadas e havia alguns objetos no local. A impressão que
se tinha era que os meninos tinham fugido dali apressados, tendo tempo somente
de levar suas mochilas e materiais mais necessários. A busca foi tão minuciosa
que, um dos homens do corpo de bombeiros, perdeu sua lanterna em um dia, mas
tornou a encontrá-la depois, tamanha foi a varredura feita pelas equipes.
Começou-se a especular que os meninos tinham atravessado toda a floresta em
direção à BR, tomado algum transporte, deixando o estado. O problema é que não
havia sentido terem feito isso de livre e espontânea vontade, ainda mais os
cinco. Óbvio que surgiram também histórias bizarras da volta do ermitão
assassino, discos voadores e raptores de adolescentes. O fato é que as pessoas
se afastaram do lugar classificando-o como maldito. Um dia um incêndio
criminoso acabou com três terços da floresta. Estranhamente, a terra calcinada
nunca se recuperou. Uma indústria direcionou seu esgoto para o lago e a vida no
lugar tornou-se insustentável. A bela região repleta de verde deu lugar a um
pequeno deserto cinzento com um esgoto à céu aberto. Sinal algum dos escoteiros
foi encontrado, jamais. Um dia um sujeito – que conhecia a história do
desaparecimento - foi categórico em afirmar que vira cinco garotos andando em
meio àquela desolação. Ao se aproximar deles, os mesmos sumiram diante de seus
olhos. Há quem pense que os meninos foram raptados, levados para longe, mas há
também quem afirme que os meninos estão mortos e enterrados no lugar e por isso
nunca foram encontrados. Outros rumores surgiram de pessoas que dizem ter
vistos os fantasmas errantes dos adolescentes. O mistério continua.
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