sexta-feira, 28 de junho de 2019

NO PORÃO (Conto terror)

Os homens tinham chegado no meio da noite, arrebentado sua porta e o arrancado da cama? Ou
talvez ele estivesse voltando de algum lugar, fora atacado por dois encapuzados, colocado à força num banco detrás de um veículo que arrancou em alta velocidade. Podia muito bem ter entrado num bar, tomado uma bebida e desmaiado. Depois era fácil ser levado. Todas essas possibilidades passaram pela sua mente conturbada. Vivera pelo menos uma delas... Ou eram apenas pesadelos? Invenções de sua cabeça para explicar como viera parar ali. E quem era ele? Tinha consciência de si, mas era estranho como a imagem de um quebra-cabeça que se pode reconhecer, mas que falta um pedaço. Ele acordara, ao que tudo indicava, num cárcere privado. Obvio que estava ali contra sua vontade. A mente quase em branco. Acordara e dormira e tudo se misturava numa névoa de sonho em que qualquer coisa podia ser a realidade de como chegara ali. Foi melhorando, começando a lembrar. Mas ainda não sabia quem o trouxera, nem como, muito menos onde estava. Podia ser um quarto subterrâneo numa casa ou uma prisão na bastilha desafiando tempo e espaço. A mente sem certezas, exceto a de que estava detido. Isso não era sonho. Dores de cabeça, sangue seco no cabelo, o cheiro de mofo, a visão que não estava mais desfocada, a forte luz, denunciavam a realidade. Era um cubículo de dois por quatro metros. Um portão de ferro estava diante dele sem trancas à vista. O que indicava que o mesmo só podia ser aberto por fora. Sentou-se num canto e ficou pensando nas três possibilidades com as quais tinha sonhado. Sonhado? Logo se convenceu de que o mais importante era saber quem o trouxera ali, o porquê, e se havia chances de ser solto. Distraía-se quando viu algo surgir no portão ou através dele. Era um homem alto e parecia não estar usando roupas. Apesar do recinto estar completamente iluminado, o homem parecia estar na penumbra. Ele deu passos lentos, se afastando da entrada e estranhamente pareceu estar sob a luz. Seu corpo se iluminou e ele realmente estava sem roupas. Da sua cabeça e ombros escorriam sangue, estava cabisbaixo e chorava. E então sumiu. O preso se encolheu num canto, num gesto instintivo. Além de estar encarcerado, o colocaram num lugar assombrado! Começou a ficar desesperado, porém estranhamente as coisas foram ficando mais claras. A vida se tornara perigosa. Ali e mesmo lá fora! Continuou pensando e então verdadeiramente lembrou de quem ele era. Estava ali sem saber há quanto tempo, mas só naquele último instante teve consciência de si mesmo. De quem era de fato. Antes se sentia apenas vivo, mas sem identidade. Sensação mais estranha do mundo. Lembrou seu nome, onde morava, o que fazia... Um grito desesperado lhe interrompeu os pensamentos. Outros lamentos se seguiram e mais espectros pareceram atravessar o portão de seu cárcere e desaparecer. Estranhamente o pavor o fez lembrar de mais coisas. Recordou como fora capturado. Tinham-no perseguido de carro, cortado sua frente, dois sujeitos desceram armados, arrancaram-no do veículo e bateram nele até que desmaiasse. As outras 3 situações com as quais sonhara tinham acontecido com amigos seus, lembrou. Os gritos continuaram, assim como o desfile interminável de mortos. Em um momento ouviu sons no portão. Dois homens entraram. Não disseram nada. Algemaram-no e o levaram para outra sala. Havias vultos e espectros por todos os lados, almas de condenados. Os sujeitos ao seu redor eram demônios. E exultaram muito quando lhe deram choques elétricos, pancadas e quebraram-lhe ambas as pernas. Iniciaram um interrogatório, mas o homem não respondeu mais nada, pois voltou a perder a memória.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

TERRORES NA NOITE (Conto de terror)


Eu mudei para o bairro já sabendo. Que era um lugar violento. Que os confrontos entre policiais,
bandidos e disputas por territórios resultavam em banhos de sangue. Vinganças terríveis nas esquinas e bares que rendiam pavorosos espetáculos televisivos. Mas, vindo de um lugar igualmente perigoso, eu não me importei muito. Sabia bem que possuía a manha de driblar as ameaças urbanas. Afinal, quem nasce e cresce em alguns bairros da periferia da grande São Paulo bem sabe que como proceder. O que me atraiu no lugar? O preço e a qualidade! Uma excelente casa com aluguel excelente. O corretor confessou que isso se dava porque a residência tinha fama de assombrada. O que considerava uma bobagem, visto que muitas casas no bairro eram consideradas assombradas. “Dizem que nos EUA, é obrigado informar ao comprador ou locatário se a casa tem assombração, se morreu alguém.” O homem falou. “Não sei nada de assombração, nem de morte, só sei que são moradias antigas cheias de histórias, inclusive histórias felizes! ” Concluiu. “Mas isso não chama a atenção, não é?” Falei em tom de cumplicidade. Realmente aquilo não me preocupava. Nunca tinha ouvido falar de alguém que tivesse morrido vítima de uma casa assombrada. Não que duvidasse de manifestações fantasmagóricas e nem sentisse medo nenhum, mas me assustava mais não ter onde morar. Mudei para casa numa manhã de sábado e no final da tarde fiquei de papo com os amigos que tinham me ajudado. Tomamos cerveja até umas dez da noite. Momento em que eu fiquei bêbado e insuportável, falando da minha ex e da falta que eu sentia dela. Depois disso, as semanas seguiram tranquilas na minha nova moradia. Era mais perto do meu trabalho e eu só precisei configurar meu trajeto pelos horários e evitar certos caminhos escuros. Mas então veio a noite em que eu acordei com barulhos estranhos. Eram gemidos abafados, ordens e lamurias indistintas. Fiquei absolutamente parado na minha cama escutando aquilo, petrificado de pavor e tentando entender o que se passava. Era muito fácil desprezar e rechaçar as assombrações durante o dia, mas a noite a coisa mudava de figura. Permaneci sob as cobertas me sentindo um garoto, pedindo a Deus que aqueles sons pavorosos cessassem. Vieram então o barulho de batidas de porta e em seguida um súbito silêncio. Devo ter ficado acordado ainda alguns minutos, certificando-me da calmaria até finalmente ficar em paz e cair no sono. No outro dia, ao sair de casa, me deparei com viaturas de polícia, vans de reportagens e uma multidão de curiosos. Fui e soube que houvera um crime na casa vizinha. Uma família inteira morta: Marido, esposa e duas filhas assassinados. Havia boatos de que a mulher e as garotas haviam sido estupradas, depois executadas diante do homem, morto por último por estrangulamento. Uma vingança por supostas delações. Eu não tinha escutado assombração alguma, mas terrores reais perpetrados por demônios humanos. Tratei de me mudar. Pois a noite era difícil dormir. O tempo todo eu escutava, não na casa, nem no vizinho, mas em minha cabeça, aqueles sons infinitamente horripilantes

HORROR REAL (Literatura)

A partir de hoje disponibilizarei aqui contos de terror com uma nova estética. Um "horror real" em termos estéticos que venho desenvolvendo... Seria bom se esse negócio tivesse leitores, me sinto jogando no mar uma garrafa com uma mensagem.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

A TERRÍVEL HISTÓRIA DE MARCELO PÃO DE QUEIJO parte 4 (Conto de terror)

Mais comprovações sobre o maníaco surgiram, apesar de ele não dizer uma só palavra. Provas e
mais provas materiais indicavam a atividade do sujeito sem deixar qualquer dúvida. Especialistas declararam que o homem, apesar de ser fisicamente capaz de falar, tinha algum problema psicológico que o impedia. Não era resistência, a sessão de pancadaria na delegacia corroborava esse diagnóstico. Mas o certo é que ele era perverso e perigoso, apesar de parecer inofensivo. Em certa ocasião agrediu um dos seus carcereiros quebrando-lhe a mandíbula. Psiquiatras forenses se acercaram dele cobrindo-o de escrutínio e teorias. De qualquer maneira, iria ficar preso por muito tempo. Marcelo Pão de Queijo voltou para casa numa cinzenta tarde de domingo. As pessoas se sentiram envergonhadas pelo que tinha feito com ele, mas não o suficiente para irem lhe pedir desculpas. Na verdade, me pareceu que daquele momento em diante, Marcelo Pão de Queijo estava condenado. Ninguém foi à sua casa perguntar como estava. Nem mesmo o sr. Benício, homem mais sensato entre nós. Meus pais limitaram-se a dizer que era bom que tudo estivesse esclarecido, assim como a maioria, mas ficaram indiferentes. Marcelo tentou voltar a sua rotina enquanto as pessoas mais empolgadas picharam e depredaram a casa onde o verdadeiro maníaco fora encontrado, embora a residência não fosse dele. Numa noite particularmente quente, invadiram-na e em vingança arrancaram a maioria de suas portas e janelas. Agora surgiam várias teorias, explicações e histórias sobre o verdadeiro matador que ninguém tinha reparado, vivia clandestinamente, no nosso meio. Muita gente naquele momento alegou recorda-lo, garantindo tê-lo visto em duas ou três estranhas ocasiões. E dizia saber que percebera que tinha algo de errado com ele. Marcelo voltou a fabricar seus salgados, mas ao leva-las aos compradores habituais, eles não quiseram sua mercadoria. Alegaram terem contatados novos fornecedores em sua ausência. Marcelo agradeceu e tentou vender seu produto na rua. Em nosso bairro não teve êxito. Nenhuma criança o perseguia mais. As pessoas agiam como se ainda houvesse a possibilidade de que fosse o assassino e tivesse colocado carne de defunto em seus salgados. Marcelo perdeu mercadoria, só conseguia algumas vendas se fosse para bairros mais distantes. E então veio o inverno. O frio e a condição das ruas, o atrapalharam. Ele permaneceu isolado, sozinho, assustador para a maioria, principalmente as crianças. A prisão do verdadeiro maníaco o libertou da cadeia, mas não do receio doentio do povo. Foi definhando aos poucos. Andando pelo bairro sem seu produtos e bicicleta, sem amigos ou compreensão. Um dia o encontraram morto, enforcado na sala de sua casa. Só o perceberam quando o cheiro do seu corpo emanara o odor que tinham sentido no bairro alguns meses atrás. Agora o fedor de carne podre era responsabilidade de Marcelo Pão de Queijo. O homem que vendia tudo, exceto pão de queijo.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

A TERRÍVEL HISTÓRIA DE MARCELO PÃO DE QUEIJO parte 3 (Conto de terror)

O julgamento público de Marcelo Pão de Queijo foi sumario. Como não podiam colocar as mãos no
homem, se voltaram contra sua casa. Primeiro jogaram lixo em sua porta, picharam a fachada e depois atiraram pedras e garrafas no seu teto. Após isso, mesmo com interdição da polícia, tentaram invadir a casa para destruir tudo que houvesse nela. As autoridades vieram e a coisa ficou feia com algumas pessoas levando socos e pontapés para se afastarem da casa de Marcelo. Nossa rua tinha se tornado um palco de horror. Não se falava em outra coisa e as especulações não paravam de crescer. Diziam que Marcelo passara a vida fazendo o que tinha de pior no mundo com garotos debaixo dos nossos narizes. Seu trabalho devia ser só fachada. Muito provável que violasse os meninos sexualmente e depois consumisse sua carne ou as colocasse em seus salgados. O erro dele devia ter sido praticar o ato com crianças próximas. Perguntavam-se quantas maldades não teria praticado por aí em suas andanças. Marcelo Pão de Queijo estava atrás das grades e não conseguiu evitar que os colegas de cela soubessem o porquê de sua prisão. Uma noite, três presos o surraram bastante e por pouco não conseguiram realizar seu maior intento: introduzir um cabo de vassoura no seu reto. Ainda assim, consta que eles o sodomizaram um após o outro. Alguns dias se passaram sem que o interesse nesses acontecimentos arrefecesse e então o que tinha trazido os policiais à residência de Marcelo, se repetiu. A polícia foi novamente chamada por causa de odores estranhos na casa do homem. Mesmo os agentes da lei mais experientes, se surpreenderam com o que encontraram. Mais despojos humanos espalhados sobre a laje na parte posterior da casa de Marcelo Pão de Queijo. Consequentemente o choque: o vendedor de salgados era provavelmente inocente e o matador estava solto. A polícia resolveu fazer uma busca geral pelas casas vizinhas, incluindo quintais e terrenos adjacentes. Se depararam com uma residência de dois andares que supostamente devia estar fechada, moradores. No entanto, lá estava um indivíduo andrajoso que não respondeu a nada que os policiais perguntaram. No interior da residência havia sangue coagulado e roupas de crianças. A casa dividia dois terços de sua largura com os fundos da casa de Marcelo. De seu segundo andar dava pra ver os tetos dos vizinhos. Para a polícia foi mais fácil que juntar dois mais dois. Ali estava o verdadeiro maníaco. E isso ficou ainda mais claro quando mais restos mortais foram achados enfiados num velho freezer. Neste meio, estavam os crânios das vítimas. Aparentemente o homem – que parecia sofrer de problemas mentais – não tendo mais espaço, simplesmente jogou algumas partes dos corpos sobre a laje descoberta de Marcelo Pão de Queijo.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

A TERRÍVEL HISTÓRIA DE MARCELO PÃO DE QUEIJO parte 2 (Conto de terror)


O povo da rua, bastante curioso se postou nas portas e portões de suas casas para ver o aconteceria.
Marcelo recebeu os policiais. Eles entraram e então depois de pouco tempo saíram com o vendedor de salgados algemado. Ele foi colocado no banco de trás do carro de polícia. Logo outras viaturas vieram e um carro do instituto médico legal. Nesse momento, pessoas de outras ruas tinham vindo acompanhar o terrível espetáculo. As pessoas se acotovelavam e perguntavam insistentes o que tinha acontecido. Marcelo Pão de Queijo fora preso por quê? Era ele que tinha pego uma das crianças? O que havia na sua casa? Foi então que o sr. Benício, morador da nossa rua que tinha servido como pracinha na segunda guerra mundial, fazendo uso de personalidade forte e cativante, foi lá conversar com os policiais. Voltou e disse que haviam encontrado partes de corpos de crianças na casa de Marcelo. Ele era provavelmente o maníaco que tinha sequestrado e matado os meninos. Obviamente que seria necessário um exame mais apurado sobre a identidade das crianças. De qualquer maneira, havia na casa do homem restos mortais. Quando a multidão soube disso, se juntou e tentou pegar Marcelo para fazer um linchamento. Policiais interviram, atiraram para cima e conseguiram leva-lo abrindo caminho no meio da turba enfurecida. Na delegacia, Marcelo Pão de Queijo jurou inocência. A perícia apurou que havia pelo menos membros de quatro crianças na laje da casa. Através de sinais particulares das mãos, braços, pernas e torsos, identificou-se dois dos desaparecidos. Um terceiro, embora não se tivesse certeza, podia muito bem ser do primeiro garoto, a quarta vítima era totalmente desconhecida. Mesmo após duros interrogatórios seguidos, um pouco de tortura, Marcelo continuou dizendo que era inocente. E ainda disse que suspeitava que os corpos haviam sido jogados ali pelo vizinho de quintal. Os homens da lei quiseram saber: se ele era mesmo inocente, por que não se incomodara com o mal cheiro no teto de sua casa. Marcelo explicou que há anos trabalhava com óleos, temperos, queijos e produtos que desprendiam cheiro intenso e isso obscurecia seu olfato. Enquanto isso, no nosso bairro não se falava em outra coisa a não ser em Marcelo Pão de Queijo, o homem que esquartejava crianças usando como disfarce, a venda de salgados. Talvez até mesmo usasse suas carnes para preparar seus quitutes.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

A TERRÍVEL HISTÓRIA DE MARCELO PÃO DE QUEIJO parte 1 (Conto de terror)

Acredito que Marcelo nunca vendeu um pão de queijo na vida. Nenhum sequer, apesar do apelido.
O homem ganhava a vida produzindo e vendendo coxinhas, pasteis, roscas, mas nunca o famoso pão de queijo. Eu lembro bem. E meu pai me confirmou isso tempos depois, sentado em sua rede, contemplando as brumas da catarata, com seus oitenta anos. Relembrou esse fato, o apelido que não fazia muito sentido e do que aconteceu com ele. Foi um desses encontros raros em que reunimos toda a família para passar um final de semana sob o mesmo teto. Conversa ia e vinha e eu, meu irmão e irmã nos lembramos quase ao mesmo tempo de Marcelo pão de queijo, seus salgados e tudo que aconteceu. Marcelo era uma figura querida no nosso bairro. E não apenas por causa de seus salgados de boa qualidade. Era um homem rechonchudo de meia idade, sem esposa e sem filhos. Vivia sozinho numa casa simples que, além de domicílio, era sua pequena padaria. Ele me parecia bastante solitário, embora tivesse um ar alegre e descontraído. Abastecia parte do comércio local com sua mercadoria e saía de bicicleta para vender o resto. A molecada da rua, inclusive eu e meus irmãos, o interceptava com algazarra para comprar seus salgados. Depois de atender a gente, ele seguia seu caminho e só voltava depois que tivesse vendido tudo. Embora falasse com todos, principalmente com as crianças, era reservado, só saía para trabalhar e não se embriagava aos sábados como os outros homens da nossa rua. As línguas apressadas especulavam que Marcelo pão de queijo era homossexual. E isso era coisa estranha e terrível para uma comunidade atrasada e preconceituosa como aquela em que eu vivia no início dos anos sessenta. Como o fato não se confirmasse, a vida seguia tranquila sem que ele sofresse alguma discriminação mais direta. Mas aí então veio verão de 1961. Uma época mais quente que o habitual. Foi nesse tempo que desapareceu o primeiro menino. Luís Wagner, um moleque de sete anos. Logo depois, outro garoto de cinco ou sei anos que não recordo o nome depois desses anos todos. O bairro ficou apavorado. Eu lembro de me sentar na calçada à noite – nós tínhamos esse habito juntos com os adultos – com meu irmão e amigos e falar sobre isso e outras histórias escabrosas até nossas mães nos mandar entrar. O que passou a acontecer mais cedo devido aos desaparecimentos. Deitado na minha cama eu ficava pensando no destino dos garotos e nos outros contos pavorosos que tinha ouvido. Óbvio que alguns eram exagerados e até impossíveis, mas eu não sabia diferencia-los. Para minha mente de criança, a história da mulher que virava serpente que estava presa num túmulo de cemitério, era tão possível quando um raptor de crianças. A busca pelos garotos continuou, mas então, logo um terceiro sumiu. Este tinha nove anos o que fez com que os medos prosperassem ainda mais. A polícia começava a acreditar que um maníaco, obcecado por garotos estava por detrás disso. Uma espécie de perfil – embora não tivessem usado esse termo na época – foi traçado. O homem devia ser solitário, ter entre trinta e quarenta e poucos anos, e provavelmente fora preso por abusar de garotos em alguma época de sua vida. Os olhos se voltaram para Marcelo Pão de queijo. A coisa pesou para seu lado ainda mais quando descobriram que ele fora preso quando era jovem. Começaram os rumores e suspeitas sobre ele. Entretanto, a coisa complicou mesmo quando começaram a sentir um cheiro estranho vindo da casa do vendedor de salgados. Era um cheiro de carne podre e a polícia foi chamada. 

sexta-feira, 7 de junho de 2019

UMA HISTÓRIA DE GOBLINS (Conto de terror)


Artur D’Onofrio começou a ter um pequeno sucesso como escritor e isso lhe trouxe bastante
alegria e excitação. Era um homem de 54 anos e mesmo gostando de lecionar literatura na universidade, sentia que faltava algo. E percebia isso ainda mais quando falava empolgado de livros que admirava intensamente. Apesar do interesse pela literatura universal com temas mais filosóficos, desejava escrever romances policiais e de mistério. Ao completar 50 anos pensou que era agora ou nunca. Tinha passado mais da metade da vida escrevendo artigos e resenhas, agora era a vez da ficção. Um ano depois publicou seu primeiro romance: Os crimes da rua do hospital. No outro ano veio mais um. Espécie de continuação do primeiro, O detive Villa e os novos assassinatos. Escreveu outro sobre uma mansão assombrada e, mesmo diante de um tema bem conhecido, inovou e despertou interesse de leitores. Seus livros anteriores foram descobertos e ele passou a gozar de algum prestígio. Numa manhã de sábado, em seu escritório diante do computador, tomava notas sobre um possível novo romance. Estava absorto na pesquisa quando viu algo surgir na sua visão periférica do lado direito, embaixo. Olhou e tomou o maior susto de sua vida. Um anão carrancudo, de pele esverdeada, terrivelmente assustador estava diante dele. Assustado, levantou-se repentinamente, o coração acelerado, o grito preso na garganta. O anão o olhou com desprezo, balançou negativamente a cabeça, deu meia volta e saiu em direção ao corredor. Artur respirou fundo. A cabeça fervilhava numa sucessão de ideias e suposições sobre quem era aquela criatura. Mesmo temeroso, tratou de segui-lo. Com cautela e passos lentos foi até o corredor, mas não viu mais o anão. Passou a manhã procurando o sujeito, se certificando que tinha trancado as portas e que o visitante estranho não tinha por onde ter saído. Depois disso viu novamente o anão dois dias depois na sua sala de aula enquanto corrigia provas. Em seguida o encontrou no jardim de sua casa, mas dessa vez estava acompanhado de um semelhante igualmente feio e de expressão aborrecida. Daquele dia em diante percebeu que cada vez mais o número de anões aumentava. Pela manhã via quatro ou cindo deles na sala de sua casa, à noite, na sua garagem via oito ou mais. Artur logo percebeu que somente ele podia ver tais criaturas. Em uma ocasião, na sala de professores da universidade, viu quatro deles sentados no sofá, encarando-o indignados. Não disse nada a ninguém e ficou muito aliviado quando sumiram. Numa rápida pesquisa na internet sobre seres do tipo, Artur descobriu que estava diante de prováveis goblins e não simples anões. No início as criaturas se limitavam a encara-lo com expressão mau-humorada, mas um dia viu que um deles derrubou um abajur, começou a rir com os outros e em seguida sumiram. Desse dia em diante começaram as travessuras. Os goblins quebravam suas coisas, jogavam água nele quando surgiam no banheiro da universidade. A coisa começava a ficar insuportável. Em casa, com um pedaço de pau tentou atingir os invasores, mas foi rechaçado e levou uma surra de sapatos. No outro dia no trabalho teve que inventar uma história para justificar os hematomas. Aquilo começou a tirar-lhe o sono, deixando-o com a aparência desgrenhada, atrapalhando no trabalho. Um dia, se viu cercado pelos goblins com a expressão de sempre. Eram muitos, uns vinte, no seu quarto, acotovelando-se ao redor de sua cama. Cada um mais feio e irritado que o outro. Artur sentiu-se desesperado, com vontade de chorar. – Que vocês querem de mim? – gritou e rompeu em lágrimas. Foi então que um deles falou: - Só queremos que escreva uma história sobre nós. – Artur se levantou, tentou se recompor. – Só isso? – Foi até o escritório. Os goblins o acompanharam. Ligou o computador, abriu o editor de texto. Escreveu: “UMA HISTÓRIA DE GOBLINS. Artur D’Onofrio começou a fazer sucesso como escritor e isso lhe trouxe bastante alegria e excitação. Era um homem de 54 anos...” Então um a um os monstrinhos foram sumindo.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

O CAMINHO DOS IMORAIS (Conto de terror)

Ele lembrava do medo e da miséria desde que era muito novo. Do quintal escuro, da fome,
da favela onde moravam com o chão de terra batida, das ruas estreitas com histórias de violência. De acordar tarde da noite, de não ter coragem de ir no quintal, de fazer xixi na rua, de frente ao seu barraco e olhar para as outras vielas. Do vai e vem dos pais em suas brigas envolvendo sempre álcool. E ele recordava bem de todas as privações, dos fantasmas que se escondiam nos fundos do quintal de sua casa e dos outros quintais, divisões que não tão eram claras. Compartilhavam assim muitas coisas. A visão das mulheres dando banho nos filhos, limpando seus traseiros... A nudez compartilhada em várias ocasiões, jovens e velhos. Teve até uma vez em que viu um homem e uma mulher nus, abraçados num movimento até então desconhecido para ele. Algo de terrível aconteceu por causa daquilo depois. O vizinho fora enganado e por isso deixou a mulher que se matou enforcada, arrependida da traição com o irmão do marido. E assim continuou a sucessão de medos e miséria. A violência marcou sua infância, as terríveis privações nunca lhe deixaram esquecer. Viu muitas pessoas mortas na favela. Na esquina, caídas sobre poças de sangue, enforcadas como a vizinha, esfaqueadas no boteco do Moreira, emboscadas na constante luta entre os bandidos. E isso produzia cada vez mais fantasmas, vultos que cruzavam por ele em grande velocidade. À noite, juntos com os irmãos, se reuniam para falar dessas assombrações, dizer o que tinham visto, comparar aparições. A avó que tinha um terreiro de umbanda lhe explicava as coisas, lhe dizia para ter cuidado, respeito. Mas um dia ela morreu e ele ficou sem respostas e advertências. Em uma ocasião, aos doze anos, foi currado por uns moleques da rua debaixo. Eles o tinham levado para um terreno com árvores e lixo, com a desculpa de caçar passarinhos. E fizeram aquilo ávidos e sorridentes. Nunca se sentiu tão mal na vida.  E assim o tempo foi passando. O medo se transformou em mais medo e depois horror, a miséria em ódios invencíveis. Aprendeu a ser um predador, a revidar. Ficou maravilhado ao descobrir sua força. Como os irmãos mais velhos, também ficou alto e corpulento. Espantou desafetos, brigou e demonstrou não ter medo. Um dia xingou as almas e aparições que encontrava no quintal. Deixou de lado um pouco os serviços de servente e fez roubos, assaltos. Preso, apanhou, fugiu, lutou e foi perseguido. Desenvolveu ainda mais o gosto por menininhos. Recebeu favores deles de graça, pagos. Voltou-se para práticas ocultistas, contra todas as advertências da avó, pois queria poder além de qualquer coisa. Pretendia enfrentar os horrores sendo ele próprio o medo e afugentar a pobreza passando por cima de tudo que ficasse diante dele. Falou de suas visões desde criança, o velho disse-lhe que era médium de berço, devia desenvolver entendimento e poder. E assim foi feito. Ficou diante das entidades, fez negociações que incluíam sangue e velas. Acercou-se de asseclas, um grupo depravado e poderoso. Tomou as coisas de seu interesse, inclusive os corpos de jovens imberbes. Jamais esqueceu os medos e as misérias, pois as transformara em outras coisas. E a sua vida continua... É uma história que ainda não terminou, pois agora faz o pior, matando e dissecando crianças, falando com entidades e tentando acumular riquezas. Tudo isso o faz com imposição de mãos de ferro e ajudas demoníacas que se alimentam do medo e das misérias.