quarta-feira, 31 de julho de 2019

3 VEZES DIANTE DO ESPELHO (Conto de terror)

É fato perceptível que as lendas assustadoras se misturem e deem origem a novos pavores, as vezes
bastante refinados e ainda mais terríveis. George Alves Oliveira, mais conhecido como George Gore ou Gigi, foi um maníaco assassino que matou cinco viciados e os enterrou em sua propriedade. O matador teria sido supostamente morto pela polícia, mas algum tempo depois, crimes semelhantes aos que ele praticara voltaram a acontecer. Alguns acusaram a polícia de mentir, outros que o maníaco tinha voltado dos mortos. Especulações à parte, as autoridades não conseguiram esclarecer esses novos crimes. Histórias sobre o célebre matador se tornaram populares. Algumas exaltavam sua imortalidade, outras se concentravam na admiração por ele estar vivo e simplesmente desafiando a polícia. Muitos relatos o responsabilizavam por inúmeros outros assassinatos – mesmo que houvesse quem os assumisse. O conhecimento de Gore sobre a vida de outros matadores era sua peculiaridade. Todos que o conheceram ouviram suas descrições detalhadas de assassinos famosos. Aliás, ele parecia não ter outro assunto, disseram as pessoas das quais se aproximara. Não fosse para falar de serial killers famosos, George ficava calado com olhar desconfiado. Às vezes parecia que as pessoas se divertiam com as histórias sobre George Gore e demonstravam certo orgulho em viver no seu bairro ou ter tido contato com pessoas que conviveram com o maníaco. Isso continua até hoje e outras narrativas se multiplicam. Há quem diga que à meia noite, quem para diante do terreno baldio onde ficava a casa George Gore, pode ver seu espectro andando por entre a relva que lá cresce. Dizem também que ele aparece no espelho para quem chama seu nome três vezes segurando uma vela, à meia noite, à exemplo de Bloody Mary. Outros censuram isso dizendo que Gore está em fuga ou vivendo escondido e, claro, há quem ria disso tudo advertindo que o sujeito está enterrado num túmulo genérico fornecido pelo estado. Ultimamente os ânimos se exaltaram com três crimes semelhantes aos cometido pelo famoso matador. O caso aconteceu numa cidade vizinha, ainda assim, o nome de George Gore foi devidamente associado. O mais insano foi que no último crime, o assassino escreveu na parede as iniciais G.G. com o sangue da vítima. Muito se especula enquanto a polícia promete esclarecer o caso e trazer o criminoso ou criminosos à justiça. As lendas em torno de George Gore parecem nunca ter fim assim como suas variações. Mas isso certamente não passa das peculiaridades das lendas assustadoras.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

O LOUCO E O MUNDO (Conto de terror)

Ele olhou para a imagem da multidão na TV e sua expressão pareceu de contentamento. A turba
enlouquecida pedia sangue. Ele provavelmente adoraria fazer parte daquela multidão. Adorava essas coisas descontroladas, o impasse antes de uma precipitação inevitável. Era muito excitante. Ficou torcendo para que alguma coisa acontecesse. O povo gritava tão alto que fazia vibrar o chão sob seus pés. Ou era impressão sua? Olhou para os homens ao seu redor e fez sinal indicando que queria fumar. Um deles o olhou com desprezo como se dissesse que era muita pretensão de sua parte. Outro, que parecia mandar nos demais, minimizou as coisas. Acendeu ele mesmo um cigarro para si e entregou outro cigarro para o sujeito. Abriu uma das janelas e fez um gesto largo para os demais como se dissesse que tudo estava resolvido. Ele ficou fumando e perdeu interesse nas imagens da televisão. Alguém aproximou dele um copo descartável com água para usar como cinzeiro. Ficou fumando e relaxando, pensando em como seria os próximos passos. Como seria recebido. Bem, provavelmente não seria com flores e abraços, entretanto isso não o preocupava. Sabia exatamente como as coisas funcionavam. Não tinha do que se lamentar. Se não morresse logo, se adaptaria. Afinal, vivera uma vida de adaptação desde que se entendia por gente. Era oriundo de um mundo miserável e obscuro, completamente rodeado de violências e barbáries. Não importava nada. As cosias não tinham esse valor todo que as pessoas atribuíam. Nem mesmo a vida tinha valor. Tudo era uma supervalorização de quem tinha medo de tudo ou vivia abastado sem ter que lidar com os pavores da vida. Ele não. Sua família o preparara bem. Seu pai principalmente. Ainda mais porque agredia todo mundo dentro de casa desde sempre. Um dia levou a pior quando ele e seu irmão mais velho o enxotaram de casa. Era demais ver a mãe, por mais que fosse uma simples velha ranzinza e bêbada, apanhando sem conseguir sequer levantar as mãos. Depois nunca mais viu o pai. Melhor assim. Adentrou ao mundo louco, sozinho e não podia dizer que tinha fracassado. Vivera livre, praticando sua própria loucura. Sim, ele achava que era meio doido, assim como todo mundo. Era a coisa mais óbvia! Todos tinham algum tipo de loucura e se forçava a escondê-la. Bem, alguns não. Como ele. Tinha aceitado tudo, toda podridão do mundo, todas as adversidades e coisas que as pessoas fingiam não existir. Nesse mundo e no outro. E no invisível onde transitavam os mortos. Como bem explicara a avó, especialista em contar histórias de assombração sob a luz da lamparina, com os olhos brilhantes, quase todas as noites. Gostava sobretudo das histórias de matadores e da descrição de defuntos podres e mutilados, escondidos por assassinos. Ele acreditava em um mal maior no mundo, que dominava. Esse era forte, não o deus choroso dos cristãos. E ele queria estar do lado dos fortes. Mesmo que se arrebentasse. Tomou para si tudo que quis. Dinheiro, bebidas, drogas, mulheres, homens... A vida daquelas crianças! Tinha degolado os três, escondido seus corpos. Infelizmente a polícia o tinha pego. Agora estava ali naquela delegacia, a multidão lá fora querendo linchá-lo, podia ver pela TV. Esperavam que o esquema de segurança lá fora fosse reforçado para que ele fosse transferido. Tudo bem. As coisas estavam em paz. Era a loucura do mundo e ele aceitava tudo tranquilamente desde sempre.

terça-feira, 23 de julho de 2019

O MUNICÍPIO ASSOMBRADO (Conto de terror)


Dizem que o município de Queimados – não confundir com Queimadas – é assombrado. Obviamente
que algumas pessoas não o creem, mas há um consenso bem difundido, principalmente entre os mais velhos de que Queimados é um lugar onde se manifestam fantasmas e outras coisas inexplicáveis. Não se trata de uma simples casa, rua ou localidade, mas todos seus distritos – alguns enormes – que se estendem do sertão ao litoral. Histórias sobrenaturais superabundam por toda parte e, misturados a uma crescente violência urbana, acabam criando novas narrativas de puro horror. Existem casos antigos como o do Padre sem cabeça que anda pela beira da praia; a da mulher bela que seduz incautos na madrugada e logo depois mostra sua verdadeira face terrivelmente mutilada; o grupo de crianças fantasmas que surge pedindo dinheiro para quem ouse atravessar as largas ruas vazias durante a noite e a premonitória imagem do funeral. Este último se tratava da visão terrível de um velório que surgia nas esquinas e vaticinava o fim do infeliz que a encontrava. Essas histórias têm semelhantes em várias regiões do nordeste brasileiro e hoje, na maioria dos lugares, constituem apenas histórias que avós contavam para assustar as crianças. A diferença em Queimados é que estas narrativas se renovam, se mesclam a novas relatos incríveis e misteriosos. Um exemplo é o de quatro homens encontrados mortos na areia da praia, as cabeças decepadas e ausentes. Havia um enorme crucifixo no local, mas alguns, ao invés de considerar um terrível acerto entre bandidos, achou mais lógico atribuir tudo ao Padre sem cabeça. Em outro caso, um sujeito se disse atacado pela bela que depois revela seu rosto desfigurado, chocando a vítima com uma imagem de puro horror, capaz de fazer desmaiar qualquer um. Seus amigos concordaram que o colega preferia aquela história a de que ele fora simplesmente enganado e roubado por uma mulher da vida. E assim seguem as lendas urbanas – e um tanto rurais - em Queimados com inúmeras casas mal-assombradas e descampados que inspiram pavores. A realidade é que naquela localidade sempre houve muita violência. Dizem que o embate de índios e homens brancos foi terrível. E ocorreu durante anos. Inúmeros mortos e maus tratos aos indígenas que ultrapassam qualquer tema de filme assustador. Um historiador afirmou uma vez que os mestiços de brancos com índios naquela localização, são legítimos descendentes de estupros em massa. Toda a atividade fantasmagórica, supostamente, seria resultado de uma maldição oriunda dos massacres. Mas há também quem fale de rituais terríveis envolvendo sacrifícios humanos e nada oriundo da parte dos selvícolas. Falam que o homem branco, nos tempos da corte portuguesa, teria trazido do velho mundo a velha bruxaria adicionada às suas grandes ambições. Seja como for, as histórias pavorosas continuam, não parecem ceder ante a modernidade. As possibilidades são claras: ou se trata de um município assombrado por causa dos terríveis crimes ou esses crimes se multiplicaram por assombros autônomos. O mais aceito no entanto, é que os dois coexistam com um alimentando outro, verdadeira natureza dos lugares assombrados, dizem...

sexta-feira, 19 de julho de 2019

XXX (Conto de terror)

Alguma coisa era assombrada... Ou o bairro ou sua casa! Ele pensou. Estava certo disso. Vivia ali há
apenas duas semanas, mas essa cogitação era fato. Assombrações! Naquela residência ou no bairro todo. Tinha falado para a irmã, mas ela não acreditou. Jonas não se achava exagerado e muito menos supersticioso, mas tudo tinha limite. Ouvia e via coisas terríveis naquele lugar. Não queria vislumbrar mundos sobrenaturais, não queria acreditar em outras realidades, não se importava com daquilo, entretanto não podia negar a realidade. Todas aquelas coisas absurdas estavam diante dele. No começo fora muito aterrador. Como na vez em que ouviu passos no corredor, passos pesados, muito diferente da maneira que a irmã caminhava. Foi olhar. Levou o maior susto da vida. Uma mulher alta, velha e horrível o contemplava perto das escadas. Tinha asas de borboleta, pura imagem oriunda de um quadro de Dali. Ou seria um quadro do Bosch? Não importava. Ele duvidou dos próprios olhos e esperou que aquilo sumisse, mas não o fez. A velha alada veio em sua direção, ele fechou a porta do quarto e correu até a cama como uma criança assustada. Os passos continuaram o resto da noite, mas ele não teve mais coragem de abrir a porta para espiar. Ficou pensando que era algo de sua mente, que estava impressionado como dizia sua mãe se referindo ao medo que nós mesmos criamos. Depois vieram os rostos horríveis que surgiam nos cantos e que só tinham boca e dentes pontiagudos. Muitos outros barulhos e o terrível desfile de animais com rostos humanos que se estendiam da sua sala de estar até a rua. Que imagem mais tenebrosa e bizarra. Estava vendo TV, tranquilo quando a fila de bestas meio humanos invadiu sua casa. Por uma hora completa elas ficaram ali, entrando e saindo, o observando com expressão zangada. Não podia ignorar mais aquilo. Lembrou da frase de Shakespeare em Hamlet: Há mais coisas entres o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia! Não era exagerado, muito menos supersticioso, mas era hora de admitir que estava cercado de assombrações, terrores vindo de outro mundo. Numa manhã falou para a irmã, mas não diretamente, apenas perguntou: Você não acha nada estranho nessa casa? Ela disse que só ouvia muitos barulhos estranhos à noite, pouco antes de dormir, mas tudo bem, era uma casa velha. Jonas compreendeu. Ela tomava remédios pesados para dormir, só ouvia o início da festa dos fantasmas. Era uma mulher de meia idade que nunca tivera marido e filhos e amarga por isso. Nem todo mundo podia ser como ele, solteiro e feliz. Ele era o mais velho de cinco irmãos, resignado com tudo, ela, a caçula, solitária e zangada por morar com o irmão. Ele entendia, todavia, não concordava. Resolveu não falar mais sobre as assombrações. Descobriria sozinho as razões daquilo. Se os fantasmas eram oriundos da casa ou do bairro. Arranjou uns livros sobre assombração e se debruçou sobre eles. Colocou uns crucifixos na parede e acendeu várias velas no seu quarto. Achou que a irmã estivesse protegida pelo sono profundo e não se preocupou mais. O problema foi que as coisas se complicaram. A multidão de aparições aumentou e passou a não deixar que ele dormisse. Batiam na porta do quarto a noite toda, enfiavam dedos pontiagudos no formato de sombra por baixo da porta. Um dia, uma criatura semelhante a um enorme rato pulou na cama junto com ele, tentou mordê-lo, desesperado ele sacudiu o lençol que atingiu as velas sobre o criado mudo. Começou um incêndio. Ele correu em direção à porta, mas se deparou com toda uma nova infinidade de duendes, regressou, pegou uma barra de ferro para se defender. O fogo foi aumentando e ele não tinha como sair, lutando contra aquelas criaturas. A fumaça tomou conta do ambiente, ele bracejava para todos os lados tentando acertar seus perseguidores, sair dali, mas foi perdendo as forças e...
            Quando deu por si, estava numa ambulância, as portas abertas, podia ver um pouco de sua rua, a calçada... luzes vermelhas? Um caminhão do corpo de bombeiros, curiosos... Sua irmã e uns atendentes ao seu lado. Tá tudo bem agora, Jonas, fique calmo... Você engoliu muita fumaça, ela falou. Ele tentou falar, mas não conseguiu, a garganta doía. Ela explicou que o estrago tinha sido pouco, os bombeiros tinham chegado há tempo. Ele finalmente conseguiu falar, disse que a culpa era das assombrações. A irmã pediu que ele relaxasse. O atendeu colocou a máscara no rosto dele de novo. O veículo se pôs em movimento. Tá tudo bem, moço, falou para o socorrista. É que meu irmão tem esquizofrenia... Eu cuido dele há anos.

terça-feira, 16 de julho de 2019

ONDE OS PAVORES DORMEM (Conto de terror)

Era um bairro estranho e obscuro, em uma cidade estranha e obscura. Fazia parte da região
metropolitana da capital e seu misto de campo, cidade litorânea e características urbanas, lhe dava um ar único. Era um município enorme, de largos campos e terrenos descampados entre as casas. Algo que proporcionava ruas desertas, escuras e silenciosas demais. Parte da natureza exuberante era preservada entre os conjuntos habitacionais, característica que produzia tanto bem-estar quanto espanto. Havia industrias, mansões e incríveis resorts ao longo da enorme faixa litorânea, sofisticação e simplicidade em um só lugar, fato que encantava muita gente, mas a mim, só causava estranheza. O grande contraste tornava o lugar estranho, sem identidade ou, talvez, bastante identificado com uma coisa desproporcional e de muitas faces. Acabei indo morar no município por questões profissionais e confesso que temi o lugar desde o primeiro dia. Minha esposa tinha opinião semelhante à minha, mas sua natureza tranquila, certamente a impedia de emitir juízos maiores. Preferiu dizer que a falta de agitação da nossa nova moradia proporcionava tranquilidade para realizar seu ofício de escrever. Outra coisa que me incomodava também era o caminho de volta. Vinha do trabalho por volta das sete da noite e, já ao deixar a avenida e tomar a rua de nossa casa, eu experimentava uma profunda melancolia. Havia até algo de belo no caminho, confesso. Era uma rua de terra, cercada de árvores e casas de muros altos com um cheiro adocicado de mato que, de dia era repleto de sons de pássaros, e a noite dominada pelo som de cigarras e grilos. Havia até mesmo um terreno com um pequeno córrego onde se podia ouvir ao longe, o coaxar de batráquios. Mas todo esse clima bucólico não desfazia um espanto e tristeza escondidos que eu não podia evitar. A coisa piorava ainda mais quando eu vinha de transporte público, descia na avenida e seguia a pé pela rua. Em um dos primeiros dias, tive a certeza de ver algo pavoroso: uma silhueta de homem que caminhava à minha frente simplesmente sumiu. Eu andava devagar quando vi a forma humana diante de mim uns quarenta metros. Obviamente que pensei se tratar de um transeunte, mas, observando-o, vi-o se desvanecer diante dos meus olhos. Lembro que meus pés pesaram no momento em que pensei em passar no local onde ele havia sumido. Corri até em casa, temeroso, mesmo achando que pudesse ter sido apenas vítima de um efeito ótico ou truque da mente. Não contei nada à minha esposa, entretanto, acabamos por comentar sobre certo clima opressivo sempre presente naquele lugar. Era uma espécie de tranquilidade abissal que devia ser comum em cemitérios e lugares onde alguma desgraça tinha acontecido. Glória me falou de uma casa assombrada que havia no seu bairro quando ela era criança. Dizia que havia mato na calçada e até mesmo em parte da rua onde a residência se encontrava. Em dias e noites silenciosas e tristes, se podia ver espectros nas janelas para quem ousasse olhar. Ela me falou que a sensação que tinha diante da casa era semelhante ao que ela sentia quando estava sozinha na nossa nova moradia. Perguntei se ela tinha medo e ela disse que não o suficiente para que quisesse mudar. E repetia que a maioria das nossas impressões era coisa da nossa cabeça. As coisas continuaram reduzidas a estas impressões, pelo menos até dezembro quando, semelhante ao espectro que vi na rua, coisas começaram a surgir e desaparecer diante dos meus olhos. De início eram apenas a sensação de presenças e olhares que me espreitavam, depois comecei a ver, pela visão periférica, rostos sombrios. Também ouvia passos e barulhos inexplicáveis. Falei para Glória e ela se surpreendeu. Disse que só tinha as mesmas sensações de antes. Porém uma noite, a caminho de casa, recebi uma ligação dela querendo saber onde eu estava. Respondi e ela pediu que eu me apressasse. Cheguei em casa e a encontrei transtornada, dizendo que ouvira vozes, passos e que estava aterrorizada. Ao saber do ocorrido, uma amiga de minha mulher, que dizia ser espirita veio até a nossa casa e fez intervenções. Disse que descobrira que não só o bairro, mas a cidade inteira tinha sido palco de coisas terríveis e que isso o deixava repleto de espíritos errantes e sujeito a malassombros diversos. As coisas ficaram mais tranquilas e em semanas ficamos tão longe das más impressões que resolvemos construir uma piscina em nosso terreno lateral. Na noite em que as obras se iniciaram, houve uma sucessão de espantos terríveis. Passos, cochichos e uma sensação apavorante tomou conta de nossa casa a ponto de mal conseguirmos dormir. Pela manhã, já nas primeiras luzes do dia, despertei de um cochilo com gritos de minha esposa. Ela dissera que no nosso quarto, diante de seus olhos, surgira um grupo de homens estranhos que tinham sumido quando ela gritou. Não fui trabalhar naquela manhã e fiquei vendo os homens construindo a piscina, me juntando a eles em profundo pavor, quando uma quantidade de esqueletos foi encontrada sob nosso terreno. Veio a polícia e chegaram à conclusão que aquele terreno fora lugar de uma chacina. Que os restos mortais estavam ali a uns cinco ou seis anos. Minha esposa e eu concluímos ser aquela a razão das assombrações, todavia uma semana depois, foram encontradas novas ossadas. Dessa vez, havia a especulação de serem ossos de alguma população indígena. Seis indivíduos jaziam a uma profundidade de dois metros. Indaguei se tratava-se de um cemitério indígena. “Não”, me respondeu um dos legistas. Na verdade, se tratava de um outro tipo de chacina, essa, com uns cem anos.

OS POSSESSOS (Conto de terror)

O crime terrível serviu apenas como desculpa para aumentar ainda mais a intolerância contra as
religiões de origem africana. Em um terreiro de umbanda, uma criança foi degolada por um pai de santo e o homem ainda tentou beber seu sangue. Embora em sua origem, a umbanda não sacrificasse animais, esse terreiro era um dos que recorria a essa pratica. Mas nada que fosse fora do normal. Em muitos outros lugares isso ocorria. Eram sacrificados animais de pequeno e médio porte: em sua maioria aves e caprinos. Nessa noite, após o sacrifício de um bode, o homem se voltou para a criança, cortou seu pescoço e tentou beber seu sangue. O fieis que estavam no culto, o detiveram e chamaram a polícia. Disseram que o homem estava possuído por uma entidade estranha, desconhecida de todos e não puderam entender o que acontecera. Vários membros de religião de matriz africana se manifestaram contra o ocorrido. Reiteraram que a umbanda era uma religião de paz e que o fato ocorrido nada tinha a ver com o rito comum da sua crença. Todas as pessoas razoáveis concordaram que se tratava de um caso isolado. Um pastor que atuava numa igreja no mesmo bairro do terreiro, tratou de combater o ímpeto de seus fiéis que estavam pregando que aquele tipo de religião cultuava o demônio. Todavia, não eram todos os líderes protestantes que pensavam assim. Um deles, também localizado nas redondezas, iniciou uma campanha tão vigorosa de combate às religiões afro-brasileiras, que conseguiu juntar um séquito de seguidores dispostos a tudo. Não demorou para que os homens se sentissem no dever de realizar o trabalho de um deus que não tolerava aquele tipo de religião. Numa noite, o grupo de dez ou doze homens, partiu numa perua em direção ao terreiro onde o crime acontecera. Havia pouco mais de um mês do ocorrido. O terreiro voltara a funcionar apenas há uma semana. No bairro fora feito uma campanha de esclarecimento sobre as peculiaridades das religiões de origem africana. Auxiliadas por um grupo de valorização da cultura negra e a escola da comunidade, os religiosos consideraram ter feito um bom trabalho. Mas então vieram os homens comandado pelo pastor e invadiram o terreiro, iniciando um terrível quebra-quebra. Os fiéis ficaram petrificados, vendo tamanho ato de intolerância. Acharam que a violência se restringiria aos móveis e objetos de culto, mas estavam errados. Logo, os homens do pastor começaram a agredir as pessoas. Alguns deles lançaram mão de facas e começaram a gritar: “Fora, demônios! Fora, em nome de Jesus. A violência culminou com a morte de três umbandistas e só teve fim quando a polícia chegou. Um dos membros do terreiro que presenciou tudo, disse que o olhar do pastor e seus homens era muito semelhante ao do pai de santo que assassinou a criança. “Acho que não importa a religião, o demônio anda solto de um lado para outro disseminando ódio e morte”, falou o rapaz.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

MEU VIZINHO (Conto de terror)

Conheci meu vizinho logo que mudei. Nós tínhamos praticamente a mesma idade: 13 anos. Ele era
um garoto risonho e inquieto. Um tanto esquisito em atitudes e gestos, algo que despertava risos e leves advertências. Em outras palavras, meio bobo, diferente dos outros meninos que começam a pensar em outras coisas. Depois dos dezoito anos ele tornou-se diferente em outros aspectos e foi quando tudo aconteceu. Primeiro eu notei que havia uma aura de maturidade em sua mentalidade, apesar da esquisitice permanente. Aliás, ele passou a ter uma estranheza mais sóbria e, não sei dizer direito porque, irônica e consciente. Nós nunca tínhamos sido muito amigos quando mais novos, mas agora a gente conversava com certa frequência quando eu saia ou voltava para casa. Ele estava sempre na esquina fumando cigarros, conversando e rindo com quem se dispusesse a gastar um tempo com ele. Tinha abandonado a faculdade de filosofia há algum tempo e não se importava muito com estudo e trabalho. Seu passatempo e única ocupação na vida era conversar e, a mim, fazer perguntas e suposições capciosas sobre o sentido da sociedade, das atitudes humanas e da vida em si. – Decidi fazer da minha vida um modelo – disse ele sorridente. – Um modelo de como se deve viver? – perguntei já sabendo de suas pretensões. – Não. Um modelo que não é modelo de nada – disse. Fiquei em silêncio vendo-o acender mais um cigarro. – Essa consciência não é nada... Só um efeito colateral dessa combinação estúpida de carbono que resultou na matéria vida... Disso ainda veio uma moral estúpida e vazia em que eu pretendo cuspir, mesmo com essa preguiça imensa – concluiu ele e ficou fumando. A nossa conversa tinha chegada um ponto bem interessante. Ele, segundo suas próprias palavras, tinha atingido um niilismo militante em que, apesar de negar os propósitos da vida, se sentia imbuído de uma missão. Contou que no primeiro momento negou isso, se sentindo um messias palhaço e embusteiro, mas depois de muito tempo não conseguiu tirar isso da cabeça. No entanto, nunca me dizia qual era seu objetivo. Pelo menos não de uma maneira clara. Meu vizinho passou um tempo criticando aspectos superficiais da nossa sociedade e agora se empenhava em atacar à existência humana, descrevendo-a como uma febre. Até aí nada de novo. Embora cursasse faculdade de história, não filosofia como ele fizera, eu estava ciente de vários sistemas filosóficos e não via nada de novo em seu discurso. Ainda assim era interessante ouvi-lo. Muito mais quando falava dos aspectos humanos de maneira tão pessimista que fariam o filósofo Nietzsche corar. Meu vizinho passou a defender a loucura e intensas experiências extremas mesmo que estas resultassem em morte e ferimento. Numa tarde descreveu todas as experiências sexuais estranhas a que se submetera e disse que qualquer pessoa seria capaz de praticar qualquer coisa, bastava uma permissão física chancelada pela mente. Sugeriu que todo mundo poderia ser depravado e perverso sexualmente. Especulou sobre ter alguma forma de esquizofrenia e que isso era bom, já que o fazia ver além. Disse que desejava ter câncer para saber como eram as dores e que só em dúvida sobre que tipo de morte lhe traria melhor experiência. -–Já pensou cair em um vulcão ativo? Que morte! – falou uma vez. – E numa explosão nuclear? O bom seria saber que outros seres humanos também seriam vaporizados nesse momento. – Mencionava essas coisas animado. Mas não tanto quanto passou a falar de assassinos. Sua incrível memória absorveu em detalhes as histórias de vida de todos assassinos em série famosos. Descrevia-os psicologicamente de maneira minuciosas assim como seus terríveis crimes. Ainda assim me surpreendi quando, num dia pela manhã, saí de casa e me surpreendi com a polícia conduzindo-o algemado. – Se acordar de madrugada, não encare o relógio e nem o espelho... Foi assim que tudo começou pra mim – ele informou sorrindo. Depois soubemos que ele tinha assassinado três pessoas.

terça-feira, 9 de julho de 2019

A VILA (Conto de terror)

Quando deixei minha cidade para morar na capital e cursar medicina, eu me achei ainda mais sortudo por
conseguir um lugar barato e perto da faculdade. Apesar dos meus pais terem condições de sobra de me sustentarem, era bom fazer economia. Era bom também acordar pela manhã e estar há poucos minutos do hospital universitário. Além de tudo, eu adorava o bairro da faculdade. Um bairro antigo com casas suntuosas que me proporcionava um raro sentimento de nostalgia. Eu ficava perdido em pensamentos quando parava e me detinha olhando para aquelas residências – muitas convertidas em albergues para estudantes – imaginando quantas vidas e rotinas tinham passado por ali ao longo dos anos. Tantos estudantes, agora grandes profissionais, muitos famosos, atuando pelo mundo e, claro, alguns já mortos. Eu sentia uma satisfação imensa em saber que ali fora o berço de incontáveis médicos, dentistas e psicólogos. Agora eu também faria parte daquela história e aquele lugar também estaria comigo para sempre. Por toda parte, uma juventude fervilhante de alunos indo e vindo entre os departamentos estudantis. Familiares de pacientes entrando e saindo do hospital. Era um bairro absolutamente movimentado durante o dia, mas à noite, tudo mudava. As ruas e o entorno da faculdade se tornavam extremamente silenciosas e vazias. O que estranhamente me lembrava o clima do filme Linha mortal com Kiefer Sutherland, Kevin Bacon e Julia Roberts. Mas havia outra coisa que me chamava atenção. Algo que destoava das outras moradias para estudantes. A vila onde eu vivia, embora fosse destinada a estudantes, tinha poucos deles. A maioria eram pessoas mais velhas que passavam por mim cabisbaixas. E depois de um tempo, percebi outra coisa: que na vila em que eu morava, pairava sempre uma tristeza e um sentimento de pesar inconfundível. Disse várias vezes a mim mesmo que era impressão minha, porém, cada vez mais a melancolia se confirmava. Às vezes eu acordava no meio da noite e ouvia alguém chorando. Também ouvia passos apressados, incompatíveis com o horário e o hábito daquelas pessoas. Nesse momento eu sentia a mais negra melancolia e pensamentos terríveis se apoderavam do meu ser. Naquele momento, a felicidade de ser jovem e estar realizando sonhos se desfazia e só o que me dominavam eram sentimentos de tristezas e maus presságios. Vinha em mim a certeza de que algum dos meus familiares estava doente ou sofrera um acidente. Eu ligava para minha mãe no meio da noite, perguntando se estava tudo bem. Pela manhã, se desfaziam aqueles sentimentos de angustia e maus presságios. Todavia, a noite tudo retornava. E cada vez ficava maior. Havia ocasiões em que eu não dormia, ouvindo o pranto vizinho, sentindo o pavor se multiplicar. Algo notável também, foi a frequência em que as pessoas se mudavam daquela vila. Eu estava ali há apenas um mês e percebia que pessoas tinham vindo ali e morado uma semana ou apenas alguns dias. Eu nunca fora uma pessoa supersticiosa, no entanto, eu sabia que havia algo de ruim ali, algo de terrível que transcendia ao senso comum. Uma noite eu acordei, perturbado como sempre e não pude evitar de me encolher súbito na cama. Diante de mim, recortado pelas primeiras luzes da manhã, estava a silhueta de um homem. Ele pareceu levar o dedo indicador aos lábios, num gesto de quem pede silêncio. Desapareceu em seguida. E eu fiquei paralisado, por vários minutos no meu canto. Temendo que a aparição voltasse ou algo ainda pior acontecesse. Quando o dia clareou definitivamente, liguei para os meus pais. Tinha tomado uma decisão. Entrei em contato com o proprietário do imóvel e rescindi o contrato. Dois dias depois eu estava em outra residência para estudantes. Um pouco mais cara, mais afastada da faculdade, porém confortável e animada dia e noite. Após uma semana, numa conversa com amigos sobre a antiga moradia, um deles, um estudante de odontologia me contou o que tinha ouvido falar da minha moradia. Um conhecido seu, descobrira que o terreno em que se encontrava a vila, antes fora a residência de um velho patriarca rico. O homem tivera cinco filhos biológicos, mas também adotara mais dez crianças. Depois foi descoberto que ele abusava física e sexualmente tanto dos filhos legítimos, quanto dos filhos adotados. Duas dessas crianças tinham desaparecido. Depois do escândalo que chocou a cidade na época, a polícia descobriu os corpos das duas crianças enterradas no quintal. No bairro, os mais antigos que conheciam a história, não gostavam de lembrar do fato. Talvez por isso quase ninguém sabia do porquê aquele lugar ser funesto e morbidamente melancólico.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

TEATRO NA ESCOLA (Peça de teatro)

12 excelentes esquetes teatrais selecionadas para montagem na escola ou grupos teatrais. Ideal para o professor, diretor ou ator que busca um texto dinâmico e pronto para ser encenado. Desenvolvi esse material trabalhando como professor e instrutor de teatro, e sobretudo me dedicando à escrita teatral. Tenho certeza de que são textos adequados para, tanto os que estão iniciando, quanto para os que tem um grupo consolidado. BAIXE GRÁTIS...

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quinta-feira, 4 de julho de 2019

COLHEITA DOS MORTOS (Conto de terror)

Se alguém perguntasse a Joaquim qual o seu trabalho, ele certamente hesitaria antes de qualquer
resposta. O homem era um misto de secretário, guarda-costas, assecla, conselheiro, porta voz e pistoleiro de Alexandre Matias do Carmo, fazendeiro célebre, ex vereador, ex deputado e líder político de uma importante região de produção de cana de açúcar do sertão brasileiro que incluía dois estados. Por fim, provavelmente, Joaquim se denominaria como assistente do Dr. Alexandre. Mas obviamente isso poderia variar. Dependendo de quem perguntasse. Uma coisa era certa, tinha dedicado sua vida ao caudilho, sacrificando sua vida pessoal, tempo e outras coisas. Começou a fazer parte do seu séquito quando era praticamente um adolescente. Cresceu ao lado do homem que vinha de uma família tradicional e poderosa, vendo-o também crescer em poder e popularidade. Obviamente que também viu aumentar disputas e rivais. As lutas se travaram tanto no campo político quanto em outros. Tiros e facadas nos desafetos e covas rasas para os trabalhadores baderneiros que ousassem qualquer questionamento quanto às condições de trabalho. Dr. Alexandre teve seu auge e consolidara o poder, mas não fora apto em deixar herdeiros políticos e manter a força nesses novos tempos. Seu partido enfraquecera, ele perdeu dinheiro, prestígio e com dificuldade resistiu às investidas da justiça. Fora acusado tanto de corrupção quanto de crimes de pistolagem. Além do mais, a velhice o arrastava para o caminho sem volta.. Nenhuma glória do passado ou o que ainda possuía o consolava diante da própria mortalidade. Isso o exasperava e o fazia suspeitar de inimigos imaginários. E era sobre isso que Joaquim pensava enquanto aguardava o chefe. Ele tinha recebido a ordem de ir encontra-lo na casa da Fazenda Velha. Assim denominada por ter sido a propriedade onde Dr. Alexandre tinha nascido. Joaquim que possuía as chaves do imóvel, adentrou à residência e ficou esperando. Eram duas da tarde e, apesar disso, o clima da casa, mórbido a qualquer hora, o fazia pensar nas inúmeras histórias assombradas do lugar. Não bastava ter seus próprios mortos seguindo-o, agora temia ver outros fantasmas. Joaquim as vezes ficava pensando se em outra vida iria ser confrontado com os homens que matara. Era estranho e brutal pensar nas pessoas que tinha assassinado sem que tivesse nada pessoal contra elas. Além disso, chegara a um ponto na vida em que devia começar a pagar pelo que tinha feito. Pelo menos era nisso que acreditava. O homem acendeu um cigarro e ficou fumando para ajudar a passar o tempo. Enquanto isso, pensava no campo atrás da fazenda onde ele e uns capangas tinham enterrado alguns inimigos. Isso fazia anos. Até mesmo a maioria de seus auxiliares já tinha partido dessa pra melhor. A aura pesada, no entanto, permanecia. Alguns trabalhadores já haviam falado de fantasmas novos rondando a propriedade. As almas dos pais do Dr. Alexandre constituíam espectros conhecidos que já não causavam mais espanto. Joaquim ouviu barulhos na porta da frente e o isso o deixou arrepiado. Mesmo assim foi conferir. Na verdade, era o Dr. Alexandre com sua velha corte de seguranças e apoiadores. O caudilho olhou para Joaquim de maneira estranha. Começou a falar sem parar dizendo que se sentia abandonado, pois os seus não viam a maldade e a traição que o cercava bem de perto. Acendeu um charuto e continuou reclamando até que uma crise de tosse o interrompeu. Num gesto, chamou todos para a varanda com o pretexto de tomar ar fresco. Continuou falando de inimigos não detectados pelos seus próprios homens de confiança, mas que iria tomar providências ele mesmo. Joaquim percebeu que ninguém sabia do que o chefe falava. Ainda assim prosseguiu falando e andando. Acabou fazendo com que todos o acompanhassem até o campo onde anos antes Joaquim enterrara pessoas. Nesse momento o caudilho sacou uma pistola e ficou falando que só o sangue de um traidor podia lavar a sujeira em que estavam metendo ele. Os homens recuaram assustados, mas antes que pudessem perguntar ou contestar, Dr. Alexandre atirou na cabeça de um dos que tinham vindo com ele. Um jovem político conhecido pela ambição. O caudilho se voltou para Joaquim e aos gritos mandou que ele desse um fim no corpo e que ensinasse como fazê-lo aos novatos. Também disse que era uma vergonha que um homem como ele com tantos anos de experiência não tivesse descoberto o traidor.
            Após terminar de enterrar o sujeito, Joaquim acendeu um cigarro e olhou para os novos ajudantes. Teve a sensação de que aquilo viria à tona em breve. Viviam novos tempos em que só as brutalidades políticas mais refinadas tinham espaço. Seu chefe não tinha noção ou não queria admitir. O telefone tocou, Joaquim atendeu e ficou sabendo que o Dr. Alexandre tivera um derrame. Ele voltou a olhar paras os homens ali, mas parecia ver além. Obviamente porque não prestava mais atenção nos capangas, mas nos fantasmas que começavam a se levantar naquele fim de tarde.