sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A QUEM INTERESSAR POSSA...

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SEU, JORGE RASKOLNIKOV

terça-feira, 1 de outubro de 2019

OFERENDAS (Contos de terror)

Valdo achou uma afronta aquelas coisas diante da porta de sua nova casa. E não era um despacho
qualquer, aliás, não era nem mesmo um despacho. Em comum com o que conhecia, apenas as velas. No meio da coisa havia uma caveira de gesso, flores, pequenos recipientes de vidro, cruzes estranhas e papéis com uma caligrafia estranha. Antes de comprar a casa, Valdo tinha ouvido por um amigo que por ali existia uma religião satânica. No momento, ele pensou que se tratava de alguma coisa de adolescentes que se limitava a pichações, mas pelo visto a molecada ali era mais ousada. Ele chutou as coisas maldizendo quem quer que tivesse feito aquilo. Um dos recipientes se rompeu e um líquido vermelho sujou seus pés e a calçada. Sangue? Bem, não importava. De qualquer maneira era uma decepção que naquela cidade, que não era metrópole, tivesse essas coisas. O amigo que lhe dissera que por ali havia uma religião estranha, também dissera que aquele município era cheio de coisas toscas e pavorosas. O que exatamente, ele não disse. Mas Valdo também não quisera saber. Entrou em casa e tratou de esquecer o assunto. Mas teve pesadelos durante a noite e no dia seguinte se sentiu doente. Voltou para casa se sentindo péssimo. Tomou banho, pediu comida e lá pelas nove da noite se sentou diante da TV com uma xícara de chá nas mãos. Ouviu batidas na porta da frente. Foi lá, mas não havia ninguém. Iniciou-se ali seu verdadeiro calvário. Toda vez que se sentou de frente a TV, as batidas na porta recomeçavam. Chegou a sair na rua, xingando quem quer que estivesse fazendo aquilo. Ameaçou chamar a polícia em alta voz, mas as perturbações continuavam. Começou a se sentir com febre e a se sentir observado. Desmaiou e quando acordou caído no meio da sala, teve certeza de que alguém estava dentro de casa. Olhou em direção à porta da frente e viu três espaços de luz vindo da fresta embaixo da porta. Algo dividia a luz, duas coisas que não estavam lá antes. Que se moveram... Pés? Sim, dois enormes pés e Valdo sentiu um calafrio terrível. Um ser enorme ao qual podia ver apenas o contorno na escuridão, vindo em direção a ele. Podia sentir a respiração daquela coisa e seus passos lentos faziam parte do seu terror. O que ele devia fazer? Se levantar e correr? Óbvio, mas se sentiu paralisado como o personagem estúpido de um filme de terror B. Fez um esforço, porém ao se erguer um tanto, o monstro correu, o alcançou em três segundos e o chutou no peito. A dor lancinante também tirou seu ar e ele foi arremessado ao ar alguns centímetros. Caiu no chão, arquejante, pensando que era o seu fim. Se a besta o chutasse mais, ele morreria. Tinha certeza. A coisa se aproximou. Tinha uma cabeçorra enorme, redonda e descarnada, quase uma caveira... Soltou um urro e Valdo afundou numa inconsciência bem-vinda. Mesmo que fosse a morte... Mas ele não morreu. Acordou no outro dia e foi ao médico. Tinha três costelas quebradas. Voltou para casa temeroso. Abriu a porta devagar, o coração aos pulos... E então viu o chão coberto de caveiras de gesso, flores, velas, cruzes, recipientes. Uma semana depois reparou em pichações na parede de uma rua próxima, o desenho estilizado de uma criatura, de cabeça enorme de caveira, corpo longo, pés largos e mãos longas! Embaixo havia escrito: NECROI VIVE!

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A ALMA DO CAPITÃO DO MATO (Conto de terror)

O caseiro e seus familiares diziam que a chácara era assombrada. Que a noite, cavaleiros fantasmas
cruzavam a propriedade arrastando negros escravos. Diziam que aqueles espíritos estavam condenados na outra vida a repetir os atos praticados antes da morte. Eu e minha namorada achamos divertidas as histórias. Era um tanto mais interessante que muitos filmes. Estávamos na propriedade do tio dela para um fim de semana e era renovador poder relaxar naquele lugar. À noite, tomando um bom vinho, ouvimos as histórias assustadoras do encarregado do lugar. O homem falou que a chácara já fora uma fazenda enorme. O terreno onde estávamos era apenas um quarto do original. Tudo era maior e pertencia a único dono, um senhor de escravos e plantador de cana de açúcar. O homem falava gesticulando, apontando os lugares, construindo narrativas e extensões com as mãos. Disse que ali muita gente vivera e morrera, por isso tantos assombros. Mas disse que não nos preocupássemos, pois os espectros apareciam em geral a distância, sumiam e eram inofensivos. Obviamente que não acreditei naquelas histórias ao pé da letra. No entanto, naquela noite tive um sonho terrível... Ou talvez nem tenha sido um sonho. Em um dado momento, no meio da noite, eu me vi caminhando sozinho na varanda da casa principal. Olhei para a extensão do terreno e vi um enorme alazão montado por uma figura enorme e imponente. Apesar de sua estatura e aparente vigor, o homem vinha de cabeça baixa. Ao se aproximar da casa, fui ao seu encontro. Então vi que havia dois homens de cada lado, vindo com ele. Os três eram negros. A imagem era tão clara e simples que não me causou assombro ou receio algum. Ao se aproximarem, percebi que os dois homens estavam presos ao cavaleiro por cordas. Eles pararam diante de mim... – Aqui estão os negos fugidos, patrão... Pode me deixar ir agora? – falou o homem sobre o cavalo num tom choroso. Olhei dele para os prisioneiros e vi que os dois tinham rostos inanimados, parecendo feitos de pedra. Então a lembrança das aulas de história do Brasil me vieram a mente, o período colonial com seus personagens tão marcantes: Senhor de engenho, feitor, escravos e o Capitão do mato! Ali estava o homem encarregado de capturar os escravos que fugiam. O negro temido e desprezado por todos. Mas ele começou a chorar. Percebi que não eram cordas que o prendia aos outros dois, mas pedaços do seu intestino. Seus cativos pareciam-lhe um peso. Era como uma condenação. Uma sensação terrível de pavor indescritível tomou conta de mim nesse momento. Caí no chão, senti o cheiro de terra. O lamento daquele homem enorme me encheu os ouvidos. Então era possível uma eternidade de sofrimento pelos atos praticados em vida? Aquele sujeito parecia bem atormentado e arrependido... Acordei na minha cama e assim que comecei a apreciar o alívio de um sonho, senti meus pés úmidos, a roupa suja... Fiquei de pé e percebi que tinha o aspecto de quem tinha chafurdado na terra... A terra da chácara.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

O TORTURADO (Conto de terror)

Eu não estava apenas cumprindo ordens. Sim, eu tinha prazer naquilo. E acreditava profundamente
que estava fazendo a coisa certa. E acho que é o mesmo caso daqueles nazistas estúpidos que repetiam exaustivamente a famosa frase: só cumpríamos ordens! Não acho que ninguém que se preste ao papel de executor ou torturador esteja friamente seguindo instruções. Matar ou causar dor a um homem é uma coisa terrível e exige um grau de comprometimento imenso. Embora tenha hoje profundo arrependimento, sei que tudo que fiz, o fiz de coração e prazer. Era o ano de 1969 e trouxeram esse sujeito. Disseram que era religioso e que auxiliava os opositores na luta armada. Iniciamos o interrogatório como sempre: fazendo perguntas e mostrando os instrumentos. Como não disse nada, logo ele estava despido e levando tapas na cara. As perguntas foram repetidas e o sujeito continuou calado. Só emitia algum som quando apanhava. Éramos três, mais o delegado naquela sala. A sessão continuou com xingamentos e ameaças. Suposições de que o homem era um sodomita e que na igreja não podiam existir comunistas. Eu juro que nessa hora, o homem pareceu rir. Nenhum dos meus colegas viu isso, mas ele pareceu sorrir brevemente. E isso era uma indicação do que estava por vir. Colocamos o homem no pau de arara e passamos a apagar as bitucas de cigarro nele. As perguntas continuavam, mas o sujeito apenas negava saber as respostas. Era tão claro que estava mentindo que em determinado momento o delegado perguntou seu nome e ele respondeu: não sei. Iniciamos os choques elétricos. Peito, membros, cabeça, boca e genitália. Ele berrava, mas não dizia nada. Acabou fazendo suas necessidades ali mesmo, mas isso era esperado. Acendemos mais cigarros para disfarçar o fedor e os apagamos no rosto do infeliz. Em um momento, eu o vi olhando para mim. E havia uma expressão de desprezo e superioridade em seu olhar. Voltamos a tortura com força total até a madrugada. Nenhuma informação. O interrogado desmaiou. Saímos da sala conversando, especulando as possibilidades do homem ser o mais durão de todos ou realmente não saber muito. Voltei a sala sozinho depois e vi que o homem estava acordado. E havia algo estranho nele. Toda sua pele estava avermelhada. Por um momento achei que aquilo podia ser em razão dos choques, embora nunca tivesse visto algo igual. Fui e me aproximei dele que olhou para mim. Vi que seus olhos haviam mudado: eram fendidos como os de uma serpente. Ele se soltou com facilidade. Se pôs diante de mim e seu corpo começou a mudar. De um homem de estatura média, se transformou num brutamontes vermelho, de olhos demoníacos, chifres e boca larga. A caricatura de um diabo... Peguei minha arma, mas me senti tonto. O sujeito disse que nos amava. Meus colegas adentraram a sala, o derrubaram no chão, algemando-o. Foi conduzido a uma cela. Ninguém parecia ver sua mudança. No outro dia sumiu. E aquilo se transformou no maior mistério ali. Colegas chegaram a achar que eu tinha facilitado a fuga. Isto apenas porque haviam me encontrado sozinho com ele na sala, solto... E eu de arma na mão sem fazer nada. Fui interrogado e ameaçado. Por pouco não fui torturado também. Retornei as minhas atividades depois. Certo de que o demônio em pessoa tinha vindo ali para nos parabenizar. Perdi o gosto pela tortura e morte. Foi a primeira vez que temi que minha alma imortal fosse para o inferno, na verdade, a primeira vez que cogitei ter uma alma. E assumi quem eu realmente era, independente de ordens.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

O DEMÔNIO DAS 11 E 59 (Conto de terror)

É como a rotina de Sísifo, disse o sujeito infeliz! Acordo pela manhã depois do breve sono recheado
de pesadelos, experimento um instante de descanso e aí começa tudo de novo... Interessante, falou o psicólogo, mas na sua expressão não havia nada condizente com suas palavras. Definitivamente não parecia achar nada interessante. Talvez sua foto até coubesse em um dicionário ilustrado para a palavra: aborrecido. Ainda assim o outro continuou. Não parecia se importar, queria narrar: Vem aquela tristeza, uma sensação de que estar vivo não vale a pena. Tomo meu café e fumo o primeiro cigarro pensando nisso. Pensando em suicídio... No caso, eles, você se refere a quem? Perguntou o homem de ar aborrecido. Aos demônios, claro. Quem mais poderia ser? Eu já falei isso. Eles ficam no inferno e tem esse que vem perturbar! Mas vou já chegar lá doutor, falou o infeliz. Continuou: Eu tento fazer minhas coisas, trabalhar com as vendas. Eu já lhe disse que trabalho vendendo material hidráulico? Sim... Pois é, trabalho, sou especialista em privadas e equipamentos de descarga, mas enfim. Eu fico boa parte da manhã na loja lutando contra os pavores e os idiotas que não entendem nada do fluxo de água e merda. As vozes o tempo todo na minha cabeça, as assombrações que se escondem por detrás das caixas no almoxarifado. É quase impossível não levar um ou dois sustos cada vez que vou lá atrás. Sabe como é, doutor, não tem como acostumar com essas coisas do outro mundo. Lá pelas nove, saio pra fumar um cigarrinho e tomar outro café. De lá de onde trabalho, posso ver minha casa. Eu moro sozinho, mas tem sempre alguém lá. Muito complicado poder ver esse mundo. A gente luta todo dia e o pior é saber que é tudo em vão. Como a luta de Sísifo que eu falei pro senhor... Você tinha dito isso antes. Que vê o outro mundo e é atormentado, mas que tem uma coisa que piora tudo. Que queria saber se o senhor não suspeita que isso apenas coisa da sua cabeça... O paciente pareceu desapontado. Gostaria de contar mais uma vez toda sua história. Subitamente sua imagem agora ficou ideal para o dicionário ilustrado onde tivesse a palavra desapontamento. Ainda assim resolveu continuar: Bem, exatamente às onze e cinquenta e nove, esse demônio chega... Exatamente nesse horário? Nunca atrasa ou adianta? Com essa pergunta o doutor fez o homem falar num tom irritado: Nunca! É exatamente nessa hora, disse! Dá até pra acertar o relógio. Daí em diante fica o tempo todo comigo, me atormentando, sussurrando coisas e me mostrando imagens terríveis... Certo, certo. Em suma, ele lhe perturbada e depois? O doutor quis saber na esperança de obter um resumo. Era a segunda sessão e na primeira o infeliz tinha gastado mais de uma hora descrevendo sua situação até onze e cinquenta e nove da manhã não lhe dando tempo de lhe dizer que conclusões tivera. Pelo visto iria repetir tudo. O que era desnecessário, não importasse a história. Aquilo não era um caso para psicoterapia. O sujeito era mesmo maluco. Tinha alucinações e provavelmente teria que tomar remédios. Falou que ia encaminha-lo para outro profissional. No outro dia soube que ele tinha se matado. Lamentou o ocorrido, porém estava certo de que fizera o que pôde. Umas semanas depois, começou a sentir uma sensação ruim por volta do meio dia. Uma vez olhou para o relógio e viu marcar onze e cinquenta e nove. Sentiu-se observado. Viu uma criatura terrível diante dele. Não, aquilo não podia ser real, gritou uma voz em sua mente. Ele não acreditava em demônios, aquilo não podia ser verdade. Olá, doutor, disse o demônio. Não importa quem seja...

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

NUMA SEXTA FEIRA 13 (Conto de terror)

Nós chegamos ao prédio abandonado na quinta feira a noite. Éramos cinco e coisa estava complicada.
Mais cedo, tínhamos trocado tiros com os homens do governo. Sofrendo vários reveses, o melhor foi bater em retirada. Foi o Bruto que nos indicou o prédio, tinha as chaves para entrar, contatos com alguém que conhecia alguém que era amigo do dono do imóvel. Um prédio abandonado, cinza e atarracado de cinco andares. Bruto disse que havia sido condenado por problemas estruturais. As mais de dezoito famílias que o habitavam, tinham saído às pressas. Além de tudo, o lugar tinha fama de assombrado, informou Bruto enquanto acendia um cigarro. Os outros companheiros, sentados ao redor cuidando das próprias coisas. Só eu escutava o homem. Mas tem perigo, não, continuou ele, tirando grande baforada de fumaça. Com os fantasmas? Eu perguntei. Não sei nada de fantasmas, falou. Tou dizendo da estrutura... Olhei para as paredes e fiquei pensando nas duas ameaças: aquela massa de concreto caindo sobre nós e os assombros que ganhavam força com a chegada da noite. Não importava o ceticismo, o prédio tinha um ar sombrio, tristonho e ameaçador. Talvez fosse apenas o clima bélico que vivíamos, ou o lugar fosse mesmo amaldiçoado. De qualquer maneira, não íamos demorar ali e me concentrei em pensar em coisas práticas. Meus camaradas certamente ririam de mim se eu falasse do receio de vultos do outro mundo. Estávamos no primeiro andar, sentados num círculo e agora só se falava na escaramuça da qual tínhamos saído. Heitor, que assumiu o comando, dava as instruções. Basicamente ficaríamos ali até o outro dia, alguém daria uma olhada na rua e sairíamos um por um, se dispersando para um encontro a ser combinado depois. Haveria também um revezamento de guarda em que cada homem teria um turno de duas horas. O meu começaria às seis da manhã. Deitei no meu canto e fiquei lutando para conciliar o sono. Embora estivesse cansado, não conseguia relaxar. Passei a alternar cochilos leves com imagens perturbadoras a sons e visões tenebrosas nas paredes do apartamento em que estávamos. Eu ouvia passos, sussurros e estranhas sombras se formando nas paredes, parcamente iluminadas pelas luzes da rua. Aquelas coisas dançavam na parede como num teatro de sombras e tinham contornos fantásticos de animais e seres humanoides. Havia mesmo algo passeando naquele lugar e isso se projetava nas paredes. E se manifestava em passos e vibrações como se uma manada de paquidermes espectrais andasse por todo o prédio. Será que apenas eu percebia aquilo? Suportei tudo como bom soldado que afugenta seus medos. Assumi meu turno ainda cansado. Perguntei ao homem antes de mim se ele ouvira algo... Ouvi mesmo umas coisas estranhas, ele disse desconfiado... Mas não vi ninguém. Sob a luz fria da manhã, observando disfarçado a rua, o sono finalmente começou a me atacar. Acordei com o barulho de portas batendo e tiros. Pulei pela janela. Fugi pela entrada do prédio estupidamente desguarnecida pelas tropas do governo. Segui por ruas, sentindo dores terríveis no tornozelo esquerdo. Fugi, abandonei meu posto. Era o dia 13 de junho de 1969, uma sexta-feira. Naquela noite, num ônibus de viagem eu sonhei com meus companheiros mortos. Todos eles me diziam que tinham se juntado às almas dos condenados presos naquele prédio... e que era o culpado de tudo!

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

BOCA DE OURO (Conto de terror)

O sobrenatural era mais absurdo do que se podia imaginar! Foi a conclusão que Carlos teve depois do
episódio. Absurdo e completamente constituído de leviandade, um ilogismo contundente. Ele havia nascido no Recife e desde criança ouvira falar das histórias assombradas da cidade. Chegara a dar uma lida no livro: Assombrações do Recife velho de Gilberto Freyre, o achando enfadonho e desnecessário. Do alto de uma inteligência acima da média, se perguntou porque as pessoas acreditavam naquelas coisas e, mesmo as que não acreditavam, referenciavam aquelas histórias. Pura besteira inventada por gente pobre, ignorante e cheia de superstição. Nunca na vida perderia tempo contando quaisquer daquelas lendas para um filho por exemplo. Uma vez, no meio de uma bebedeira, tarde da noite, relembraram a história de Boca de ouro. Suposta visagem com a aparência de boêmio que punha para correr homens que ousassem caminhar sozinhos a noite pelas ruas do Recife, ainda mais depois de uma noitada. A aparição era um misto de Zé Pelintra com morto vivo. Os dentes todos de ouro e um hálito de carne podre e enxofre. Obviamente que não ficou pensando nisso, descartando a narrativa como fizera com as outras. E então, numa noite, saído de uma festinha com os amigos no bar, resolveu ir a pé para o apartamento de um primo que o oferecera guarida naquela noite. Cruzou a praça e quando chegou na larga avenida, viu um sujeito todo de branco vindo em sua direção. Pelo que sabia, aquele não era um lugar perigoso, dado a assaltos, mas não podia se confiar nisso. Tratou de apressar os passos, entretanto, o outro foi igualmente rápido. Aproximou-se... “Tem fogo?”, perguntou o sujeito, cigarro na mão. Ele vestia um terno branco, os sapatos caprichosamente engraxados e um chapéu Panamá inclinado, que ocultava boa parte do rosto. Carlos disse que não fumava. Embora em noites de bebedeira, fumasse vários cigarros, mas não se considerava fumante e muito menos tinha cigarros. O homem de branco riu e afastou o chapéu para trás. A primeira impressão foi de que aquilo se tratasse de uma brincadeira. O sujeito tinha o rosto esverdeado, parte da bochecha e orelha carcomida como se fosse um cadáver... Mas nada que um maquiador mancomunado com algum tipo de brincadeira sinistra não fosse capaz de engendrar com habilidade. “Não é engraçado”, falou Carlos. O sujeito de branco gargalhou exibindo os dentes brilhantes, dourados... Boca de ouro! “Que brincadeira é essa?” , indagou e na mesma hora sentiu o fedor de carne podre misturada a algum componente químico. Carlos correu. Agora tinha entrado com tudo naquilo, na lenda toda, dos que fugiam do Boca de ouro. Mas e se fosse uma brincadeira como suspeitara? Que se danasse, não ia ficar para ver. Correu até doer-lhe o ventre, as pernas, ficar ofegante até não poder mais. Parou e então viu a aparição ali, bem diante dele... Bem, não havia mais explicações lógicas! Aquilo estava acontecendo. Como? Não tinha ideia! Não fazia sentido, aquelas coisas não podiam existir! Acabariam com toda a racionalidade que conhecia. Boca de ouro se aproximou rindo e Carlos, fraco, sem fôlego, questionando o universo, desmaiou. Acordou no outro dia, ajudado por transeuntes, sob a luz da manhã. Um conhecido disse-lhe para ter cuidado com as bebedeiras, chegar a dormir na rua não era nada prudente. Refeito, contou para o primo e amigos sua desventura. Sem exceção, pediram para que deixasse de troça, tomasse cuidado com a bebida. Carlos então se sentiu sozinho em sua miséria, na destruição do mundo em que acreditava. Examinou tudo sob os mais diversos ângulos não achando motivo para delírio. Nem sequer estava bêbado pra valer. Todo o absurdo era real. Imaginava que se existisse um sobrenatural, seria algo organizado, discreto, nada espalhafatoso... Mas não, tudo era absurdo dentro de absurdo e ria dele. Talvez Boca de ouro fosse exatamente isso. O riso sobre certezas que descartam o inusitado, repetido pelos mais humildes que aceitam todo tipo de visagem e duendes sem preconceitos.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

JOGO MORTAL (Conto de terror)

Eram três... Três moleques com perfis absolutamente comuns. Tipos que nascem e fervilham nas
periferias em todas as partes do mundo. Gostavam de futebol, TV, vídeo games e bobagens da internet. Também gostavam bastante de filmes e histórias de terror, mas nada se comparava ao interesse em desafiar um ao outro em brincadeiras estúpidas de demonstração de coragem. Quem tinha coragem do comer a pimenta vermelha do quintal da Dona Carla, fumar mais cigarros de uma vez, entrar no terreno de tal vizinho enfrentando cães bravos ou passar de bicicleta na calçada do Velho Matias, que corria atrás de quem fazia isso, ameaçando dar tiros de sal no engraçadinho. Lino, Guto e Valdo. Valdo tinha quinze e os outros dois, quatorze anos de idade. A garantia de dor de cabeça na escola para qualquer professor. Em certa ocasião, haviam, em desafio mutuo, escalado uma imensa mangueira na praça do bairro. Não conseguiram descer. Foi necessário que o caminhão do corpo de bombeiro viesse resgatar os três moleques. Apesar das reprimendas dos adultos e pais, foram recebidos na escola como heróis no outro dia. O que os fez alimentar ainda mais o gosto pelos desafios. Num fim de tarde, com outros moleques, ficaram ouvindo histórias sobre o célebre assassino do bairro, George Alves, conhecido como George Gore, que matara cinco viciados e escondera os corpos. Falaram que, na sua casa em ruínas, diante de um velho espelho, era possível invocar a imagem do matador. Bastava chama-lo três vezes seguidas com uma vela na mão. Credo, disse um dos moleques presente. Deus me livre, falou outro. Ninguém teria coragem de fazer um negócio desses... Os garotos foram indo embora. Apenas Lino, Guto, Valdo e outro garoto ficaram. Este último era quem explicava como funcionava a brincadeira. Dizia que só quem tivesse muita coragem faria uma coisa daquelas. E foi então que os três amigos começaram a velha mania de desafiar um ao outro. Miqueias, o outro garoto achou que não fosse um desafio que se fizesse a ninguém. Era perigoso ver a alma de George Gore. Diziam que ele voltava do túmulo e matava pessoas. Os outros duvidaram, mesmo achando possível ver alguma aparição. A alma dele pode até aparecer, mas matar... Fantasma não mata ninguém, galera, disse Guto. E assim o desafio tomou ares de divisores de água entre corajosos e covardes. Miqueias os advertiu novamente antes de ir. Os garotos ficaram um tempo calados, mas logo voltaram ao assunto. Minutos depois estavam diante da suposta casa de Gore. O que não era verdade. Da casa do maníaco, restava apenas o terreno baldio. Aquela era apenas uma residência próxima do acontecido, entretanto, suficiente para receber atribuições da casa do assassino por causa de seu aspecto abandonado. No lugar da vela, decidiram usar um isqueiro. Tinha chama, devia funcionar. Guto foi o primeiro. Os dois ficaram olhando sua bicicleta. O garoto entrou e foi até a sala. Tentava se concentrar em realizar o desafio logo e deixar a obrigação para os outros. Achou o espelho no corredor. Estava quebrado, apoiado na parede. Acendeu o isqueiro, suas mãos tremiam. George Gore, George Gore... Antes que pudesse falar a terceira vez, um facão acertou a lateral de seu pescoço e parte da nuca. Caiu no chão e a arma desceu violenta e certeira mais vezes. Bem na garganta, o impedindo de emitir maiores sons. Lá fora, Lino impaciente, disse que ia ver o que acontecia. Soltou a bicicleta. Foi e logo que encontrou o corpo do amigo, foi atingido de forma semelhante. Valdo ficou hesitante. Por que tanta demora? Talvez os dois estivessem lá dentro esperando para pregar-lhe uma peça. Bem, não ia cair naquela. Saiu pedalando, mas logo deu meia volta. Não aceitaria ninguém o chamando de covarde a semana toda. Entrou na casa com bicicleta e tudo. Foi recebido com um golpe na testa. Caiu e foi esfaqueado rápida e violentamente. Então o mendigo, o velho Jonas, com o facão ensanguentado decidiu que era melhor ir embora dali. Aqueles demônios não iam parar de vir, pensou ele. George Gore não vinha, mas mandava os deles, concluiu. Melhor ir embora.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

O ACUMULADOR (Conto de terror)

Ele era um homem cruel e avarento desde sempre. E sua avareza fora a razão do fim da sua família. A
mulher morrera porque ele se recusava a comprar tantos remédios. Depois do falecimento, os filhos foram embora. Ficou sozinho, vivendo na imensa casa onde cada dia mais armazenava coisas. Em oito meses encheu totalmente os quatro quartos, em cinco, acumulou coisas até o teto na sala, sala de jantar e cozinha. Dois meses depois, tinha que se espremer para passar num espaço mínimo, formado por um amontoado de coisas no corredor. Em cada compartimento, havia menos de um metro de espaço não ocupado. O suficiente apenas para que ele se posicionasse para contemplar sua obra. Tudo que encontrasse no seu dia a dia pela rua, trazia para casa. O que trazia mais, sem o saber, era uma essência invisível juntamente com alguns daqueles objetos. Talvez atraído também pelos seus pecados. Algo ruim, sujo, ensebado e destrutivo. Antes ele até se preocupava com própria higiene tomando banho todos os dias, lavando e trocando de roupas. Com o tempo foi deixando de se lavar e cuidar das vestimentas, se tornando semelhante a um morador de rua, embora tivesse casa e um bom salário de aposentado. Sua seleção de material também mudou. Antes tinha preferência por madeira, peças de automóveis, eletrodomésticos e metal... Mudou seu critério e passou a trazer quase tudo. Sacos de lixo cheios sem sequer examinar o conteúdo. Plásticos, papéis, tecido velho e sujo e até restos de comida. Sua aparência era deplorável. Dormia num canto estreito, reservado, entre caixas que chegavam ao teto. Todas as noites, antes de dormir, ouvia barulhos e movimentos no acumulado de lixo, seguindo em onda, inexplicável. No começo achou que tivesse infestado de ratos, depois que um guaxinim tinha invadido a casa... Guaxinins, porém logo percebeu que nenhum animal faria aquele tipo de coisa. Havia algo por detrás daquela montanha de lixo. Algo que trouxera ou atraíra. Isso pareceu lhe desenvolver uma atração mórbida. Percebeu isso quando exultou de alegria ao trazer para casa um velho crânio do cemitério. Estava por lá pegando rolos de arames usados para sustentar coroas de flores, quando se deparou com os restos mortais. Não pensou duas vezes, peguei o crânio desdentado e sem maxilar e jogou no seu carrinho. Voltou ao cemitério em busca demais. Levou ossos, depois mais crânios. Passou a limpa-los, fixar os maxilares com arames, poli-los e coloca-los sobre uma pequena estante. Não diminuiu o interesse nos outros materiais, porém os crânios e ossadas se tornaram um tesouro. Ia toda semana ao cemitério. Discreto, fingindo outros interesses para não ser descoberto, revolvendo covas abertas em busca de restos mortais. À noite ficava no seu canto, sentindo o odor misto do lixo e ossos de defunto, vendo na meia luz, o lixo se movendo em fluxo, por algo inexplicável. Ele tinha uma clara sensação de que afundava na lama, no lixo e sujeira viva, como a suposta sopa química do começo dos tempos de onde se originara vida. E ao mesmo tempo ele sentia ódio do que era limpo, das pessoas. Isolado, nem lembrava qual fora a última vez que trocara palavras com outra pessoa. Ainda assim, sentia que não estava só. Alguma coisa do lixo viera caminhar ao seu lado. Uma espécie de encosto, como diziam. Uma sombra invisível que o seguia por toda parte e que nadava a noite naquela sujeira toda. Um dia ambicionou ter um crânio fresco. Curtir a pele de algum indivíduo também lhe pareceu interessante. Matou um moleque de quinze anos, também catador que encontrou num dos terrenos baldios da cidade. Levou o corpo mirrado do menino no seu carrinho. Dali não parou mais. Meses depois, quando morreu num terrível incêndio no monte de lixo que acumulara em casa, foram encontrados trinta e cinco crânios e incontáveis ossos calcinados. Fora da casa, sob um pequeno abrigo, um espaço com pia, facas e outros objetos destinados a tratar dos cadáveres. Ali também havia pele, mãos e pés humanos. Nunca se soube quando deixara de roubar ossos para cometer assassinatos.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

NEGLIGENTE (Conto de terror)

Os dois policiais se surpreenderam grandemente ao ver o rapaz nu e cambaleante pela rua naquela
tranquila manhã. Se entreolharam e, sem dizer nada, saíram quase ao mesmo tempo da viatura. Hesitantes, cercaram-se do rapaz que os olhou lentamente, revelando estar sob efeito de álcool ou alguma outra droga. Talvez um misto dos dois. Afinal nada era demais para a juventude. Nunca se sabia que tipo de surpresa tosca ou desagradável os jovens proporcionariam. “Que aconteceu, rapaz? ” Perguntou o policial mais velho. O rapaz o encarou como se não tivesse entendido o que ele havia dito. “Que foi que houve? ” O outro policial perguntou. O jovem disse algo ininteligível revelando ainda mais seu estado alterado. O policial mais velho balançou a cabeça, voltou-se para o parceiro e sugeriu que ele talvez tivesse sido drogado e roubado. O outro concordou com a possibilidade. O rapaz estava nu, as mãos à frente, escondendo a genitália, ombro encostado no muro. Ele voltou a falar e disse coisas incompreensíveis, mas o que chamou a atenção foi o fato de fazer indicações, revezando nos gestos e a proteção ao próprio sexo. Parecia indicar um lugar e fazia isso com uma estranha expressão no olhar. Os homens ficaram conversando, especulando sobre o que o jovem podia estar indicando. “Ele tá indicando algo. Será que é onde foi roubado?” Se perguntou o policial mais velho. O outro se aproximou ainda mais do rapaz e falou pausadamente: “O-que-a-con-te-ceu-e-xa-ta-men-te-com-vo-cê?” Talvez assim ele pudesse entender e dar uma resposta mais clara. O jovem repetiu os gestos e falou coisas que não deu pra entender. O policial mais novo teve a impressão de que ele estava falando em outra língua. Fez outras perguntas pausadas, mas não houve progresso. “Isso não tá funcionando...” O policial mais velho pediu calma. Conduziu o rapaz para dentro da viatura, para a parte detrás, como um prisioneiro. “O que vai fazer?” quis saber o policial mais jovem. Seu colega explicou que iam leva-lo pelo caminho indicado, talvez pudessem entender o que tinha acontecido. Qualquer coisa, o levariam para a delegacia. Apesar da situação, o rapaz pareceu mais tranquilo. Em poucos minutos, os homens da lei pararam diante de um prédio. Conduzidos pelo jovem, que parecia nervoso ou excitado, os homens entraram e subiram alguns lances de escada. O policial mais jovem parecia preocupado, mas seu parceiro estava bastante tranquilo e disse apenas para o outro ficar atento, nada mais. Só iam esclarecer aquela história. Pararam diante da porta de um apartamento. O rapaz algemado fazia indicações ainda mais veementes e parecia assustado. O policial mais velho bateu à porta. Um homem alto e loiro surgiu na porta. Pareceu surpreso, ainda mais ao ver o rapaz ali, quase se escondendo atrás dos homens da lei. A história toda foi contada. “Os senhores queiram desculpar a mim e meu parceiro”, iniciou o homem do apartamento. “Nós somos amantes, estávamos bebendo, depois fomos fazer umas brincadeiras... A coisa não saiu bem e começamos a brigar. E ele fugiu. Como podem ver tão bêbado que deixou as roupas!” O policial mais velho olhou para o colega com ar jocoso. “Amantes? Brincadeiras?” Os dois homens da lei se esforçaram para não rir. Tudo fora esclarecido e apesar daquela perversão, estava tudo bem. Os policias gentilmente conduziram o jovem ao namorado, mas este pareceu assustado. Falou outras coisas ininteligíveis. Descendo as escadas, os policiais começaram a rir. “Dois anormais!” Disse um. “Pelo menos fizemos a boa ação de reunir os pombinhos”, disse o outro e riu ainda mais. Enquanto isso, no apartamento, o jovem nu era estrangulado até a morte pelo homem loiro. “Agora você não me escapa!” Depois este fez sexo com o cadáver do rapaz, o cortou em partes, comeu sua carne nas semanas seguintes e guardou sua cabeça como um troféu.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

O ESTRANHO CASO DO IRMÃOS URIAS (Conto de terror)

Fernando e Felipe Urias tinham respectivamente, doze e dez anos quando a mãe deles faleceu. Os
garotos moravam na periferia do Rio do Janeiro com a mãe, duas tias, a avó e alguns primos. O pai deles havia sumido a pelo menos cinco anos. A mãe, sofrendo de depressão, se enforcara numa árvore, no quintal de casa. Um mês após a morte dela, fenômenos estranhos começaram a acontecer. Objetos saíam do lugar, barulhos estranhos eram ouvidos pela madrugada, coisas pegavam fogo e desenhos escritos, com o que parecia ser sangue, surgiam nas paredes. A família que tinha ligação com grupos evangélicos, chamou os religiosos para interceder em orações pelos jovens. Logo na primeira intervenção, um jovem pastor viu um clarão surgir entre os garotos e teve seu rosto queimado. O homem disse que fora à casa com um certo ceticismo, mas comprovou que a coisa era para valer. Um grupo de obreiros se reuniu numa noite em volta dos jovens e logo se viram em meio a um turbilhão de objetos atirados contra eles. Apesar do testemunho de familiares e dos religiosos, muita gente achou que os garotos estavam fingindo. Ainda mais quando disseram que a mãe e outros espíritos falavam com eles. Segundo os garotos, a voz deles surgia de madrugada e não os deixava dormir. A tia deles disse ter ouvido vozes estranhas, nada parecida com a da irmã e que não podia garantir que fosse os meninos que não estivessem fazendo imitações. Um especialista em atividades paranormais foi até a casa da família Urias e disse estar em dúvida sobre o caso se tratar de um poltergeist ou haunting. No primeiro caso, se tratava de uma atividade psicocinetica ligada a um adolescente manipulando objetos involuntariamente. No segundo caso, se tratava-se de acontecimentos ligados a mortes violentas. No caso dos irmãos Urias havia características de ambos. O especialista disse que apesar de, em ambos os casos, haverem características comum, aquela situação em particular era diferente e indistinta. Outros especialistas vieram e embora um ou outro afirmasse ter classificado a situação devidamente, não houve propostas de uma solução. Outros religiosos vieram, mas a situação das crianças apenas piorou. Felipe sofrera terríveis queimaduras nas mãos e antebraços e Fernando tinha crises de choro e eles já não se alimentavam ou dormiam direito. Então veio um homem, em meio a tantos outros que visitavam a casa naqueles dias, que não alegou ser especialista em fenômenos paranormais e nem enviado de Deus. Ele fez um pequeno ritual lendo palavras ininteligíveis, lidas de um livro de capa de couro, aparentemente antigo. Depois conversou a sós com os garotos por meia hora. Logo em seguida os fenômenos cessaram. Os meninos logo se reestabeleceram, mas ficaram taciturnos, isolados dos demais, sempre conversando em voz baixa pelos cantos. Em uma noite, a tia os ouviu dizendo que o outro dia seria o dia certo. Não deu importância para isso até se lembrar do ocorrido pouco depois de encontrar os sobrinhos enforcados na mesma árvore onde a mãe deles também cometera suicídio. No bilhete deixado por Fernando, havia a revelação de que o homem que tinha acabado com os fenômenos viera para convencê-los do suicídio. Alguém os esperava do outro lado e não eram apenas a mãe. E de maneira alguma eles podiam ficar, pois suas presenças trariam o pior para a família. Apesar das tentativas, que contaram com ajuda policial, ninguém jamais conseguiu descobrir a identidade do homem que convencera os jovens.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

REFLEXÕES DE UM JOVEM MATADOR (Conto de terror)

Estou aqui deitado, sozinho no escuro, pensando naquelas coisas e questionando minha sanidade
. Indagando a mim mesmo o que senti e porque senti... Coisas incompreensíveis que se misturam a sentimentos novos e conflitantes. Eu simplesmente experimentei uma satisfação imensa com o que fiz. Ainda sinto os braços trêmulos e o volume na minha mão esquerda... Todo o cheiro está em mim. E eu diria que não apenas de uma maneira física. Eu o sinto em minhas narinas, mas de uma maneira essencial. É difícil dizer. É como se o ato em si tivesse uma espécie de energia que pairasse sobre mim. É algo vivo e tangível, embora apenas pareça flutuar diante do meu peito e face. Falo assim, embora seja um sujeito que nunca descreveu as coisas de maneira esotérica. Além disso, algo em mim mudou. Claro que o assassinato deve mudar toda e qualquer pessoa que o pratique, mas no meu caso, creio que virei a chave da minha existência para um novo modo de vida. Um modo de vida que já estava lá, cuja suspeita eu observava surpreso e comedido. Eu mexo meus dedos e sinto também o sangue secando em minhas mãos e penso que foi para isso que elas foram feitas. Não deveria ter demorado tanto a cumprir seu propósito... Ou talvez eu tenha feito as coisas no momento certo. Tenho apenas 20 anos. Isso é ser jovem para qualquer profissão ou atividade na vida. Acho que sou um pouco maluco... Ou me tornei depois do que fiz. É nisso que eu mais penso. Não tenho nenhum remorso ou arrependimento, mas não acho que eu seja um psicopata. Creio que meus sentimentos pelas pessoas são apropriados. Gosto e odeio seres humanos normalmente e nunca maltratei animais ou fui desprovido de empatia. Penso que para ser um psicopata, isto é essencial. Ou não? Bem, não sou nenhum especialista. Só tenho certeza de que sou um pouco maluco... Entretanto não muito mais que a algumas pessoas. Falo dessa maluquice básica que movem os grandes gênios, artistas. Não que eu me ache uma pessoa brilhante, genial, mas creio estar acima da média. Descobri no assassinato um enorme prazer, um propósito de vida. Só isso. Sei que a maioria não pensa assim. Os que matam são em geral bandidos, pessoas se vingando ou completamente loucas. Não estou incluído em nenhum desses casos. Não nasci doente ou completamente insano, mas capaz de ver na morte uma espécie de obra de arte. Não, não devo ser o primeiro a pensar e dizer essas coisas. Talvez eu esteja aqui apenas para reafirmar que pessoas como eu existem. E que não somos simplesmente malucos ou perversos. Sou um assassino da mesma maneira que um gato nasce para se alimentar de carne. Não há necessidade de questionar isso. O que me incomoda agora um pouco é pensar que eu podia ter escolhido outras vítimas para começar. Matar meu irmão, pai e mãe logo de cara, pode ser algo extremo.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

RASTROS DO PASSADO (Conto de terror)

Eu tinha nove anos de idade, mas lembro bem. Nós morávamos numa cidade pequena e tranquila.
Tão pequena e tranquila que continua praticamente do mesmo jeito após esses trinta anos. Não que eu ainda a visite, não posso fazê-lo. Mesmo sabendo pelas pessoas que lá vivem, que é um lugar absolutamente tranquilo, para mim é uma cidade de fantasmas. São cinco pelo menos. Tudo começou quando um garoto da minha rua foi encontrado morto num descampado. Havia sinais de tortura e outras coisas que os adultos evitavam falar na minha frente, na frente das outras crianças. Depois o mesmo aconteceu a outro garoto. Encontrado sob alguns arbustos, próximo a um campo de futebol. A terceira vítima era um garoto que eu conhecia bem. Acho que devo ter sido a última pessoa a vê-lo... E tenho quase certeza de que eu podia ter sido a vítima no lugar dele. Nós tínhamos sido os últimos a ficar em uma pracinha brincando nos velhos balanços com tinta descascando. Eu fui embora e ele disse que ia ficar mais um pouco. Eram pouco mais de dez da manhã. E nem o mais exagerado dos pais podia imaginar alguém fazendo mal a crianças sob aquela luz do dia. Isaque sumiu e só foi encontrado uma semana depois, em um matagal na entrada da cidade. Dessa vez os pais, descontrolados, comentaram na frente das crianças as coisas horríveis que tinham sido feitas. O menino fora queimado por cigarros, amarrado pelos pés e mãos, cortado, sodomizado e depois enforcado. A pequena cidade ficou em pânico. Ninguém lembrava de alguém que tivesse morrido de morte violenta naquele lugar. O caso mais terrível tinha sido de um vaqueiro por conta de uma queda de cavalo, anos atrás. Tão incomum quanto os crimes, era a presença de dois homens recentemente chegados a cidade. Eles tinham vindo pouco antes do primeiro desaparecimento, suscitando conversas sobre o seu modo de vida que causava indignação nos homens e ruborização nas mulheres. Como assim eles não são irmãos? São o quê?! Falavam os mais indignados Após a morte de Isaque, boatos e rumores se voltaram contra os supostos pervertidos da cidade. Não demorou para que acusações públicas começassem a ser feitas. E então, numa noite, um grupo de pais exaltados, foi até a casa dos homens e os prendeu. Eles foram trazidos até o nosso terreno, imenso naquele tempo. Ali foram julgados, condenados e executados. Eu vi tudo pelas venezianas da janela do meu quarto, anônimo. Nunca poderei esquecer seus gritos, seus rogos por misericórdia e a maneira como se debateram ao serem erguidos pelo pescoço, enforcados sob a luz da luz e o silêncio acusador do grupo liderado por meu pai. Depois os corpos foram queimados. Alguns meses depois, na cidade vizinha, um maníaco foi preso por ter raptado um garotinho. A polícia conseguira se antecipar, seguindo seu rastro, libertando o menino a tempo! O homem confessaria seu rastro de crimes. O silêncio sobre os dois homossexuais continuou. Eu olhava para o meu pai e era incapaz de pensar noutra coisa que não aquele assassinato. E isso durou anos Ele nunca falou sobre o caso. Faleceu sem arrependimentos aparentes. Eu, sentia vergonha, mesmo sem culpa alguma. Na primeira oportunidade, deixei aquela cidade para não mais voltar. Para mim, apesar de pacata, representa apenas: fantasmas, injustiça, preconceitos e ódios soterrados.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

ABDUZIDOS (Conto de terror)

- Deus me perdoe, mas era preferível que tivessem sido encontrados mortos – disse um dos pais de
um dos meninos em um momento de claro desespero. O grupo de escoteiros de cinco garotos estava desaparecido há mais de uma semana. Os adolescentes, experientes em explorar e acampar, haviam partido nessa expedição sem um instrutor mais velho porque confiavam em suas habilidades e conhecimento prévio da floresta. Já haviam acampado naquele local algumas vezes. Embora dissessem que se tratava de uma floresta assombrada e misteriosa, o último caso de desaparecimento registrado já tinha mais de vinte anos. Havia também as histórias acerca de um ermitão que vivia em uma cabana no meio do mato, que fora preso acusado de assassinatos – nenhum deles na floresta – e que tinha na cabana um crânio humano. Embora essas histórias existissem e as pessoas tentassem assustar umas às outras com o desaparecimento e o ermitão assassino, o lugar era tranquilo e bastante frequentado por famílias inteiras que faziam piqueniques às margens do lago no meio da floresta. Adolescentes mais empolgados continuavam fazendo vídeos com seus celulares dos restos da cabana abandonada do matador, simulando cenas do filme A bruxa de Blair e era só isso... Até aquele domingo em que os escoteiros não atenderam seus telefones e não mais regressaram. As buscas foram reforçadas por vários voluntários, além do auxílio de helicópteros. Acharam o local do acampamento dos garotos, as barracas ainda estavam armadas e havia alguns objetos no local. A impressão que se tinha era que os meninos tinham fugido dali apressados, tendo tempo somente de levar suas mochilas e materiais mais necessários. A busca foi tão minuciosa que, um dos homens do corpo de bombeiros, perdeu sua lanterna em um dia, mas tornou a encontrá-la depois, tamanha foi a varredura feita pelas equipes. Começou-se a especular que os meninos tinham atravessado toda a floresta em direção à BR, tomado algum transporte, deixando o estado. O problema é que não havia sentido terem feito isso de livre e espontânea vontade, ainda mais os cinco. Óbvio que surgiram também histórias bizarras da volta do ermitão assassino, discos voadores e raptores de adolescentes. O fato é que as pessoas se afastaram do lugar classificando-o como maldito. Um dia um incêndio criminoso acabou com três terços da floresta. Estranhamente, a terra calcinada nunca se recuperou. Uma indústria direcionou seu esgoto para o lago e a vida no lugar tornou-se insustentável. A bela região repleta de verde deu lugar a um pequeno deserto cinzento com um esgoto à céu aberto. Sinal algum dos escoteiros foi encontrado, jamais. Um dia um sujeito – que conhecia a história do desaparecimento - foi categórico em afirmar que vira cinco garotos andando em meio àquela desolação. Ao se aproximar deles, os mesmos sumiram diante de seus olhos. Há quem pense que os meninos foram raptados, levados para longe, mas há também quem afirme que os meninos estão mortos e enterrados no lugar e por isso nunca foram encontrados. Outros rumores surgiram de pessoas que dizem ter vistos os fantasmas errantes dos adolescentes. O mistério continua.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

3 VEZES DIANTE DO ESPELHO (Conto de terror)

É fato perceptível que as lendas assustadoras se misturem e deem origem a novos pavores, as vezes
bastante refinados e ainda mais terríveis. George Alves Oliveira, mais conhecido como George Gore ou Gigi, foi um maníaco assassino que matou cinco viciados e os enterrou em sua propriedade. O matador teria sido supostamente morto pela polícia, mas algum tempo depois, crimes semelhantes aos que ele praticara voltaram a acontecer. Alguns acusaram a polícia de mentir, outros que o maníaco tinha voltado dos mortos. Especulações à parte, as autoridades não conseguiram esclarecer esses novos crimes. Histórias sobre o célebre matador se tornaram populares. Algumas exaltavam sua imortalidade, outras se concentravam na admiração por ele estar vivo e simplesmente desafiando a polícia. Muitos relatos o responsabilizavam por inúmeros outros assassinatos – mesmo que houvesse quem os assumisse. O conhecimento de Gore sobre a vida de outros matadores era sua peculiaridade. Todos que o conheceram ouviram suas descrições detalhadas de assassinos famosos. Aliás, ele parecia não ter outro assunto, disseram as pessoas das quais se aproximara. Não fosse para falar de serial killers famosos, George ficava calado com olhar desconfiado. Às vezes parecia que as pessoas se divertiam com as histórias sobre George Gore e demonstravam certo orgulho em viver no seu bairro ou ter tido contato com pessoas que conviveram com o maníaco. Isso continua até hoje e outras narrativas se multiplicam. Há quem diga que à meia noite, quem para diante do terreno baldio onde ficava a casa George Gore, pode ver seu espectro andando por entre a relva que lá cresce. Dizem também que ele aparece no espelho para quem chama seu nome três vezes segurando uma vela, à meia noite, à exemplo de Bloody Mary. Outros censuram isso dizendo que Gore está em fuga ou vivendo escondido e, claro, há quem ria disso tudo advertindo que o sujeito está enterrado num túmulo genérico fornecido pelo estado. Ultimamente os ânimos se exaltaram com três crimes semelhantes aos cometido pelo famoso matador. O caso aconteceu numa cidade vizinha, ainda assim, o nome de George Gore foi devidamente associado. O mais insano foi que no último crime, o assassino escreveu na parede as iniciais G.G. com o sangue da vítima. Muito se especula enquanto a polícia promete esclarecer o caso e trazer o criminoso ou criminosos à justiça. As lendas em torno de George Gore parecem nunca ter fim assim como suas variações. Mas isso certamente não passa das peculiaridades das lendas assustadoras.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

O LOUCO E O MUNDO (Conto de terror)

Ele olhou para a imagem da multidão na TV e sua expressão pareceu de contentamento. A turba
enlouquecida pedia sangue. Ele provavelmente adoraria fazer parte daquela multidão. Adorava essas coisas descontroladas, o impasse antes de uma precipitação inevitável. Era muito excitante. Ficou torcendo para que alguma coisa acontecesse. O povo gritava tão alto que fazia vibrar o chão sob seus pés. Ou era impressão sua? Olhou para os homens ao seu redor e fez sinal indicando que queria fumar. Um deles o olhou com desprezo como se dissesse que era muita pretensão de sua parte. Outro, que parecia mandar nos demais, minimizou as coisas. Acendeu ele mesmo um cigarro para si e entregou outro cigarro para o sujeito. Abriu uma das janelas e fez um gesto largo para os demais como se dissesse que tudo estava resolvido. Ele ficou fumando e perdeu interesse nas imagens da televisão. Alguém aproximou dele um copo descartável com água para usar como cinzeiro. Ficou fumando e relaxando, pensando em como seria os próximos passos. Como seria recebido. Bem, provavelmente não seria com flores e abraços, entretanto isso não o preocupava. Sabia exatamente como as coisas funcionavam. Não tinha do que se lamentar. Se não morresse logo, se adaptaria. Afinal, vivera uma vida de adaptação desde que se entendia por gente. Era oriundo de um mundo miserável e obscuro, completamente rodeado de violências e barbáries. Não importava nada. As cosias não tinham esse valor todo que as pessoas atribuíam. Nem mesmo a vida tinha valor. Tudo era uma supervalorização de quem tinha medo de tudo ou vivia abastado sem ter que lidar com os pavores da vida. Ele não. Sua família o preparara bem. Seu pai principalmente. Ainda mais porque agredia todo mundo dentro de casa desde sempre. Um dia levou a pior quando ele e seu irmão mais velho o enxotaram de casa. Era demais ver a mãe, por mais que fosse uma simples velha ranzinza e bêbada, apanhando sem conseguir sequer levantar as mãos. Depois nunca mais viu o pai. Melhor assim. Adentrou ao mundo louco, sozinho e não podia dizer que tinha fracassado. Vivera livre, praticando sua própria loucura. Sim, ele achava que era meio doido, assim como todo mundo. Era a coisa mais óbvia! Todos tinham algum tipo de loucura e se forçava a escondê-la. Bem, alguns não. Como ele. Tinha aceitado tudo, toda podridão do mundo, todas as adversidades e coisas que as pessoas fingiam não existir. Nesse mundo e no outro. E no invisível onde transitavam os mortos. Como bem explicara a avó, especialista em contar histórias de assombração sob a luz da lamparina, com os olhos brilhantes, quase todas as noites. Gostava sobretudo das histórias de matadores e da descrição de defuntos podres e mutilados, escondidos por assassinos. Ele acreditava em um mal maior no mundo, que dominava. Esse era forte, não o deus choroso dos cristãos. E ele queria estar do lado dos fortes. Mesmo que se arrebentasse. Tomou para si tudo que quis. Dinheiro, bebidas, drogas, mulheres, homens... A vida daquelas crianças! Tinha degolado os três, escondido seus corpos. Infelizmente a polícia o tinha pego. Agora estava ali naquela delegacia, a multidão lá fora querendo linchá-lo, podia ver pela TV. Esperavam que o esquema de segurança lá fora fosse reforçado para que ele fosse transferido. Tudo bem. As coisas estavam em paz. Era a loucura do mundo e ele aceitava tudo tranquilamente desde sempre.

terça-feira, 23 de julho de 2019

O MUNICÍPIO ASSOMBRADO (Conto de terror)


Dizem que o município de Queimados – não confundir com Queimadas – é assombrado. Obviamente
que algumas pessoas não o creem, mas há um consenso bem difundido, principalmente entre os mais velhos de que Queimados é um lugar onde se manifestam fantasmas e outras coisas inexplicáveis. Não se trata de uma simples casa, rua ou localidade, mas todos seus distritos – alguns enormes – que se estendem do sertão ao litoral. Histórias sobrenaturais superabundam por toda parte e, misturados a uma crescente violência urbana, acabam criando novas narrativas de puro horror. Existem casos antigos como o do Padre sem cabeça que anda pela beira da praia; a da mulher bela que seduz incautos na madrugada e logo depois mostra sua verdadeira face terrivelmente mutilada; o grupo de crianças fantasmas que surge pedindo dinheiro para quem ouse atravessar as largas ruas vazias durante a noite e a premonitória imagem do funeral. Este último se tratava da visão terrível de um velório que surgia nas esquinas e vaticinava o fim do infeliz que a encontrava. Essas histórias têm semelhantes em várias regiões do nordeste brasileiro e hoje, na maioria dos lugares, constituem apenas histórias que avós contavam para assustar as crianças. A diferença em Queimados é que estas narrativas se renovam, se mesclam a novas relatos incríveis e misteriosos. Um exemplo é o de quatro homens encontrados mortos na areia da praia, as cabeças decepadas e ausentes. Havia um enorme crucifixo no local, mas alguns, ao invés de considerar um terrível acerto entre bandidos, achou mais lógico atribuir tudo ao Padre sem cabeça. Em outro caso, um sujeito se disse atacado pela bela que depois revela seu rosto desfigurado, chocando a vítima com uma imagem de puro horror, capaz de fazer desmaiar qualquer um. Seus amigos concordaram que o colega preferia aquela história a de que ele fora simplesmente enganado e roubado por uma mulher da vida. E assim seguem as lendas urbanas – e um tanto rurais - em Queimados com inúmeras casas mal-assombradas e descampados que inspiram pavores. A realidade é que naquela localidade sempre houve muita violência. Dizem que o embate de índios e homens brancos foi terrível. E ocorreu durante anos. Inúmeros mortos e maus tratos aos indígenas que ultrapassam qualquer tema de filme assustador. Um historiador afirmou uma vez que os mestiços de brancos com índios naquela localização, são legítimos descendentes de estupros em massa. Toda a atividade fantasmagórica, supostamente, seria resultado de uma maldição oriunda dos massacres. Mas há também quem fale de rituais terríveis envolvendo sacrifícios humanos e nada oriundo da parte dos selvícolas. Falam que o homem branco, nos tempos da corte portuguesa, teria trazido do velho mundo a velha bruxaria adicionada às suas grandes ambições. Seja como for, as histórias pavorosas continuam, não parecem ceder ante a modernidade. As possibilidades são claras: ou se trata de um município assombrado por causa dos terríveis crimes ou esses crimes se multiplicaram por assombros autônomos. O mais aceito no entanto, é que os dois coexistam com um alimentando outro, verdadeira natureza dos lugares assombrados, dizem...

sexta-feira, 19 de julho de 2019

XXX (Conto de terror)

Alguma coisa era assombrada... Ou o bairro ou sua casa! Ele pensou. Estava certo disso. Vivia ali há
apenas duas semanas, mas essa cogitação era fato. Assombrações! Naquela residência ou no bairro todo. Tinha falado para a irmã, mas ela não acreditou. Jonas não se achava exagerado e muito menos supersticioso, mas tudo tinha limite. Ouvia e via coisas terríveis naquele lugar. Não queria vislumbrar mundos sobrenaturais, não queria acreditar em outras realidades, não se importava com daquilo, entretanto não podia negar a realidade. Todas aquelas coisas absurdas estavam diante dele. No começo fora muito aterrador. Como na vez em que ouviu passos no corredor, passos pesados, muito diferente da maneira que a irmã caminhava. Foi olhar. Levou o maior susto da vida. Uma mulher alta, velha e horrível o contemplava perto das escadas. Tinha asas de borboleta, pura imagem oriunda de um quadro de Dali. Ou seria um quadro do Bosch? Não importava. Ele duvidou dos próprios olhos e esperou que aquilo sumisse, mas não o fez. A velha alada veio em sua direção, ele fechou a porta do quarto e correu até a cama como uma criança assustada. Os passos continuaram o resto da noite, mas ele não teve mais coragem de abrir a porta para espiar. Ficou pensando que era algo de sua mente, que estava impressionado como dizia sua mãe se referindo ao medo que nós mesmos criamos. Depois vieram os rostos horríveis que surgiam nos cantos e que só tinham boca e dentes pontiagudos. Muitos outros barulhos e o terrível desfile de animais com rostos humanos que se estendiam da sua sala de estar até a rua. Que imagem mais tenebrosa e bizarra. Estava vendo TV, tranquilo quando a fila de bestas meio humanos invadiu sua casa. Por uma hora completa elas ficaram ali, entrando e saindo, o observando com expressão zangada. Não podia ignorar mais aquilo. Lembrou da frase de Shakespeare em Hamlet: Há mais coisas entres o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia! Não era exagerado, muito menos supersticioso, mas era hora de admitir que estava cercado de assombrações, terrores vindo de outro mundo. Numa manhã falou para a irmã, mas não diretamente, apenas perguntou: Você não acha nada estranho nessa casa? Ela disse que só ouvia muitos barulhos estranhos à noite, pouco antes de dormir, mas tudo bem, era uma casa velha. Jonas compreendeu. Ela tomava remédios pesados para dormir, só ouvia o início da festa dos fantasmas. Era uma mulher de meia idade que nunca tivera marido e filhos e amarga por isso. Nem todo mundo podia ser como ele, solteiro e feliz. Ele era o mais velho de cinco irmãos, resignado com tudo, ela, a caçula, solitária e zangada por morar com o irmão. Ele entendia, todavia, não concordava. Resolveu não falar mais sobre as assombrações. Descobriria sozinho as razões daquilo. Se os fantasmas eram oriundos da casa ou do bairro. Arranjou uns livros sobre assombração e se debruçou sobre eles. Colocou uns crucifixos na parede e acendeu várias velas no seu quarto. Achou que a irmã estivesse protegida pelo sono profundo e não se preocupou mais. O problema foi que as coisas se complicaram. A multidão de aparições aumentou e passou a não deixar que ele dormisse. Batiam na porta do quarto a noite toda, enfiavam dedos pontiagudos no formato de sombra por baixo da porta. Um dia, uma criatura semelhante a um enorme rato pulou na cama junto com ele, tentou mordê-lo, desesperado ele sacudiu o lençol que atingiu as velas sobre o criado mudo. Começou um incêndio. Ele correu em direção à porta, mas se deparou com toda uma nova infinidade de duendes, regressou, pegou uma barra de ferro para se defender. O fogo foi aumentando e ele não tinha como sair, lutando contra aquelas criaturas. A fumaça tomou conta do ambiente, ele bracejava para todos os lados tentando acertar seus perseguidores, sair dali, mas foi perdendo as forças e...
            Quando deu por si, estava numa ambulância, as portas abertas, podia ver um pouco de sua rua, a calçada... luzes vermelhas? Um caminhão do corpo de bombeiros, curiosos... Sua irmã e uns atendentes ao seu lado. Tá tudo bem agora, Jonas, fique calmo... Você engoliu muita fumaça, ela falou. Ele tentou falar, mas não conseguiu, a garganta doía. Ela explicou que o estrago tinha sido pouco, os bombeiros tinham chegado há tempo. Ele finalmente conseguiu falar, disse que a culpa era das assombrações. A irmã pediu que ele relaxasse. O atendeu colocou a máscara no rosto dele de novo. O veículo se pôs em movimento. Tá tudo bem, moço, falou para o socorrista. É que meu irmão tem esquizofrenia... Eu cuido dele há anos.

terça-feira, 16 de julho de 2019

ONDE OS PAVORES DORMEM (Conto de terror)

Era um bairro estranho e obscuro, em uma cidade estranha e obscura. Fazia parte da região
metropolitana da capital e seu misto de campo, cidade litorânea e características urbanas, lhe dava um ar único. Era um município enorme, de largos campos e terrenos descampados entre as casas. Algo que proporcionava ruas desertas, escuras e silenciosas demais. Parte da natureza exuberante era preservada entre os conjuntos habitacionais, característica que produzia tanto bem-estar quanto espanto. Havia industrias, mansões e incríveis resorts ao longo da enorme faixa litorânea, sofisticação e simplicidade em um só lugar, fato que encantava muita gente, mas a mim, só causava estranheza. O grande contraste tornava o lugar estranho, sem identidade ou, talvez, bastante identificado com uma coisa desproporcional e de muitas faces. Acabei indo morar no município por questões profissionais e confesso que temi o lugar desde o primeiro dia. Minha esposa tinha opinião semelhante à minha, mas sua natureza tranquila, certamente a impedia de emitir juízos maiores. Preferiu dizer que a falta de agitação da nossa nova moradia proporcionava tranquilidade para realizar seu ofício de escrever. Outra coisa que me incomodava também era o caminho de volta. Vinha do trabalho por volta das sete da noite e, já ao deixar a avenida e tomar a rua de nossa casa, eu experimentava uma profunda melancolia. Havia até algo de belo no caminho, confesso. Era uma rua de terra, cercada de árvores e casas de muros altos com um cheiro adocicado de mato que, de dia era repleto de sons de pássaros, e a noite dominada pelo som de cigarras e grilos. Havia até mesmo um terreno com um pequeno córrego onde se podia ouvir ao longe, o coaxar de batráquios. Mas todo esse clima bucólico não desfazia um espanto e tristeza escondidos que eu não podia evitar. A coisa piorava ainda mais quando eu vinha de transporte público, descia na avenida e seguia a pé pela rua. Em um dos primeiros dias, tive a certeza de ver algo pavoroso: uma silhueta de homem que caminhava à minha frente simplesmente sumiu. Eu andava devagar quando vi a forma humana diante de mim uns quarenta metros. Obviamente que pensei se tratar de um transeunte, mas, observando-o, vi-o se desvanecer diante dos meus olhos. Lembro que meus pés pesaram no momento em que pensei em passar no local onde ele havia sumido. Corri até em casa, temeroso, mesmo achando que pudesse ter sido apenas vítima de um efeito ótico ou truque da mente. Não contei nada à minha esposa, entretanto, acabamos por comentar sobre certo clima opressivo sempre presente naquele lugar. Era uma espécie de tranquilidade abissal que devia ser comum em cemitérios e lugares onde alguma desgraça tinha acontecido. Glória me falou de uma casa assombrada que havia no seu bairro quando ela era criança. Dizia que havia mato na calçada e até mesmo em parte da rua onde a residência se encontrava. Em dias e noites silenciosas e tristes, se podia ver espectros nas janelas para quem ousasse olhar. Ela me falou que a sensação que tinha diante da casa era semelhante ao que ela sentia quando estava sozinha na nossa nova moradia. Perguntei se ela tinha medo e ela disse que não o suficiente para que quisesse mudar. E repetia que a maioria das nossas impressões era coisa da nossa cabeça. As coisas continuaram reduzidas a estas impressões, pelo menos até dezembro quando, semelhante ao espectro que vi na rua, coisas começaram a surgir e desaparecer diante dos meus olhos. De início eram apenas a sensação de presenças e olhares que me espreitavam, depois comecei a ver, pela visão periférica, rostos sombrios. Também ouvia passos e barulhos inexplicáveis. Falei para Glória e ela se surpreendeu. Disse que só tinha as mesmas sensações de antes. Porém uma noite, a caminho de casa, recebi uma ligação dela querendo saber onde eu estava. Respondi e ela pediu que eu me apressasse. Cheguei em casa e a encontrei transtornada, dizendo que ouvira vozes, passos e que estava aterrorizada. Ao saber do ocorrido, uma amiga de minha mulher, que dizia ser espirita veio até a nossa casa e fez intervenções. Disse que descobrira que não só o bairro, mas a cidade inteira tinha sido palco de coisas terríveis e que isso o deixava repleto de espíritos errantes e sujeito a malassombros diversos. As coisas ficaram mais tranquilas e em semanas ficamos tão longe das más impressões que resolvemos construir uma piscina em nosso terreno lateral. Na noite em que as obras se iniciaram, houve uma sucessão de espantos terríveis. Passos, cochichos e uma sensação apavorante tomou conta de nossa casa a ponto de mal conseguirmos dormir. Pela manhã, já nas primeiras luzes do dia, despertei de um cochilo com gritos de minha esposa. Ela dissera que no nosso quarto, diante de seus olhos, surgira um grupo de homens estranhos que tinham sumido quando ela gritou. Não fui trabalhar naquela manhã e fiquei vendo os homens construindo a piscina, me juntando a eles em profundo pavor, quando uma quantidade de esqueletos foi encontrada sob nosso terreno. Veio a polícia e chegaram à conclusão que aquele terreno fora lugar de uma chacina. Que os restos mortais estavam ali a uns cinco ou seis anos. Minha esposa e eu concluímos ser aquela a razão das assombrações, todavia uma semana depois, foram encontradas novas ossadas. Dessa vez, havia a especulação de serem ossos de alguma população indígena. Seis indivíduos jaziam a uma profundidade de dois metros. Indaguei se tratava-se de um cemitério indígena. “Não”, me respondeu um dos legistas. Na verdade, se tratava de um outro tipo de chacina, essa, com uns cem anos.

OS POSSESSOS (Conto de terror)

O crime terrível serviu apenas como desculpa para aumentar ainda mais a intolerância contra as
religiões de origem africana. Em um terreiro de umbanda, uma criança foi degolada por um pai de santo e o homem ainda tentou beber seu sangue. Embora em sua origem, a umbanda não sacrificasse animais, esse terreiro era um dos que recorria a essa pratica. Mas nada que fosse fora do normal. Em muitos outros lugares isso ocorria. Eram sacrificados animais de pequeno e médio porte: em sua maioria aves e caprinos. Nessa noite, após o sacrifício de um bode, o homem se voltou para a criança, cortou seu pescoço e tentou beber seu sangue. O fieis que estavam no culto, o detiveram e chamaram a polícia. Disseram que o homem estava possuído por uma entidade estranha, desconhecida de todos e não puderam entender o que acontecera. Vários membros de religião de matriz africana se manifestaram contra o ocorrido. Reiteraram que a umbanda era uma religião de paz e que o fato ocorrido nada tinha a ver com o rito comum da sua crença. Todas as pessoas razoáveis concordaram que se tratava de um caso isolado. Um pastor que atuava numa igreja no mesmo bairro do terreiro, tratou de combater o ímpeto de seus fiéis que estavam pregando que aquele tipo de religião cultuava o demônio. Todavia, não eram todos os líderes protestantes que pensavam assim. Um deles, também localizado nas redondezas, iniciou uma campanha tão vigorosa de combate às religiões afro-brasileiras, que conseguiu juntar um séquito de seguidores dispostos a tudo. Não demorou para que os homens se sentissem no dever de realizar o trabalho de um deus que não tolerava aquele tipo de religião. Numa noite, o grupo de dez ou doze homens, partiu numa perua em direção ao terreiro onde o crime acontecera. Havia pouco mais de um mês do ocorrido. O terreiro voltara a funcionar apenas há uma semana. No bairro fora feito uma campanha de esclarecimento sobre as peculiaridades das religiões de origem africana. Auxiliadas por um grupo de valorização da cultura negra e a escola da comunidade, os religiosos consideraram ter feito um bom trabalho. Mas então vieram os homens comandado pelo pastor e invadiram o terreiro, iniciando um terrível quebra-quebra. Os fiéis ficaram petrificados, vendo tamanho ato de intolerância. Acharam que a violência se restringiria aos móveis e objetos de culto, mas estavam errados. Logo, os homens do pastor começaram a agredir as pessoas. Alguns deles lançaram mão de facas e começaram a gritar: “Fora, demônios! Fora, em nome de Jesus. A violência culminou com a morte de três umbandistas e só teve fim quando a polícia chegou. Um dos membros do terreiro que presenciou tudo, disse que o olhar do pastor e seus homens era muito semelhante ao do pai de santo que assassinou a criança. “Acho que não importa a religião, o demônio anda solto de um lado para outro disseminando ódio e morte”, falou o rapaz.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

MEU VIZINHO (Conto de terror)

Conheci meu vizinho logo que mudei. Nós tínhamos praticamente a mesma idade: 13 anos. Ele era
um garoto risonho e inquieto. Um tanto esquisito em atitudes e gestos, algo que despertava risos e leves advertências. Em outras palavras, meio bobo, diferente dos outros meninos que começam a pensar em outras coisas. Depois dos dezoito anos ele tornou-se diferente em outros aspectos e foi quando tudo aconteceu. Primeiro eu notei que havia uma aura de maturidade em sua mentalidade, apesar da esquisitice permanente. Aliás, ele passou a ter uma estranheza mais sóbria e, não sei dizer direito porque, irônica e consciente. Nós nunca tínhamos sido muito amigos quando mais novos, mas agora a gente conversava com certa frequência quando eu saia ou voltava para casa. Ele estava sempre na esquina fumando cigarros, conversando e rindo com quem se dispusesse a gastar um tempo com ele. Tinha abandonado a faculdade de filosofia há algum tempo e não se importava muito com estudo e trabalho. Seu passatempo e única ocupação na vida era conversar e, a mim, fazer perguntas e suposições capciosas sobre o sentido da sociedade, das atitudes humanas e da vida em si. – Decidi fazer da minha vida um modelo – disse ele sorridente. – Um modelo de como se deve viver? – perguntei já sabendo de suas pretensões. – Não. Um modelo que não é modelo de nada – disse. Fiquei em silêncio vendo-o acender mais um cigarro. – Essa consciência não é nada... Só um efeito colateral dessa combinação estúpida de carbono que resultou na matéria vida... Disso ainda veio uma moral estúpida e vazia em que eu pretendo cuspir, mesmo com essa preguiça imensa – concluiu ele e ficou fumando. A nossa conversa tinha chegada um ponto bem interessante. Ele, segundo suas próprias palavras, tinha atingido um niilismo militante em que, apesar de negar os propósitos da vida, se sentia imbuído de uma missão. Contou que no primeiro momento negou isso, se sentindo um messias palhaço e embusteiro, mas depois de muito tempo não conseguiu tirar isso da cabeça. No entanto, nunca me dizia qual era seu objetivo. Pelo menos não de uma maneira clara. Meu vizinho passou um tempo criticando aspectos superficiais da nossa sociedade e agora se empenhava em atacar à existência humana, descrevendo-a como uma febre. Até aí nada de novo. Embora cursasse faculdade de história, não filosofia como ele fizera, eu estava ciente de vários sistemas filosóficos e não via nada de novo em seu discurso. Ainda assim era interessante ouvi-lo. Muito mais quando falava dos aspectos humanos de maneira tão pessimista que fariam o filósofo Nietzsche corar. Meu vizinho passou a defender a loucura e intensas experiências extremas mesmo que estas resultassem em morte e ferimento. Numa tarde descreveu todas as experiências sexuais estranhas a que se submetera e disse que qualquer pessoa seria capaz de praticar qualquer coisa, bastava uma permissão física chancelada pela mente. Sugeriu que todo mundo poderia ser depravado e perverso sexualmente. Especulou sobre ter alguma forma de esquizofrenia e que isso era bom, já que o fazia ver além. Disse que desejava ter câncer para saber como eram as dores e que só em dúvida sobre que tipo de morte lhe traria melhor experiência. -–Já pensou cair em um vulcão ativo? Que morte! – falou uma vez. – E numa explosão nuclear? O bom seria saber que outros seres humanos também seriam vaporizados nesse momento. – Mencionava essas coisas animado. Mas não tanto quanto passou a falar de assassinos. Sua incrível memória absorveu em detalhes as histórias de vida de todos assassinos em série famosos. Descrevia-os psicologicamente de maneira minuciosas assim como seus terríveis crimes. Ainda assim me surpreendi quando, num dia pela manhã, saí de casa e me surpreendi com a polícia conduzindo-o algemado. – Se acordar de madrugada, não encare o relógio e nem o espelho... Foi assim que tudo começou pra mim – ele informou sorrindo. Depois soubemos que ele tinha assassinado três pessoas.

terça-feira, 9 de julho de 2019

A VILA (Conto de terror)

Quando deixei minha cidade para morar na capital e cursar medicina, eu me achei ainda mais sortudo por
conseguir um lugar barato e perto da faculdade. Apesar dos meus pais terem condições de sobra de me sustentarem, era bom fazer economia. Era bom também acordar pela manhã e estar há poucos minutos do hospital universitário. Além de tudo, eu adorava o bairro da faculdade. Um bairro antigo com casas suntuosas que me proporcionava um raro sentimento de nostalgia. Eu ficava perdido em pensamentos quando parava e me detinha olhando para aquelas residências – muitas convertidas em albergues para estudantes – imaginando quantas vidas e rotinas tinham passado por ali ao longo dos anos. Tantos estudantes, agora grandes profissionais, muitos famosos, atuando pelo mundo e, claro, alguns já mortos. Eu sentia uma satisfação imensa em saber que ali fora o berço de incontáveis médicos, dentistas e psicólogos. Agora eu também faria parte daquela história e aquele lugar também estaria comigo para sempre. Por toda parte, uma juventude fervilhante de alunos indo e vindo entre os departamentos estudantis. Familiares de pacientes entrando e saindo do hospital. Era um bairro absolutamente movimentado durante o dia, mas à noite, tudo mudava. As ruas e o entorno da faculdade se tornavam extremamente silenciosas e vazias. O que estranhamente me lembrava o clima do filme Linha mortal com Kiefer Sutherland, Kevin Bacon e Julia Roberts. Mas havia outra coisa que me chamava atenção. Algo que destoava das outras moradias para estudantes. A vila onde eu vivia, embora fosse destinada a estudantes, tinha poucos deles. A maioria eram pessoas mais velhas que passavam por mim cabisbaixas. E depois de um tempo, percebi outra coisa: que na vila em que eu morava, pairava sempre uma tristeza e um sentimento de pesar inconfundível. Disse várias vezes a mim mesmo que era impressão minha, porém, cada vez mais a melancolia se confirmava. Às vezes eu acordava no meio da noite e ouvia alguém chorando. Também ouvia passos apressados, incompatíveis com o horário e o hábito daquelas pessoas. Nesse momento eu sentia a mais negra melancolia e pensamentos terríveis se apoderavam do meu ser. Naquele momento, a felicidade de ser jovem e estar realizando sonhos se desfazia e só o que me dominavam eram sentimentos de tristezas e maus presságios. Vinha em mim a certeza de que algum dos meus familiares estava doente ou sofrera um acidente. Eu ligava para minha mãe no meio da noite, perguntando se estava tudo bem. Pela manhã, se desfaziam aqueles sentimentos de angustia e maus presságios. Todavia, a noite tudo retornava. E cada vez ficava maior. Havia ocasiões em que eu não dormia, ouvindo o pranto vizinho, sentindo o pavor se multiplicar. Algo notável também, foi a frequência em que as pessoas se mudavam daquela vila. Eu estava ali há apenas um mês e percebia que pessoas tinham vindo ali e morado uma semana ou apenas alguns dias. Eu nunca fora uma pessoa supersticiosa, no entanto, eu sabia que havia algo de ruim ali, algo de terrível que transcendia ao senso comum. Uma noite eu acordei, perturbado como sempre e não pude evitar de me encolher súbito na cama. Diante de mim, recortado pelas primeiras luzes da manhã, estava a silhueta de um homem. Ele pareceu levar o dedo indicador aos lábios, num gesto de quem pede silêncio. Desapareceu em seguida. E eu fiquei paralisado, por vários minutos no meu canto. Temendo que a aparição voltasse ou algo ainda pior acontecesse. Quando o dia clareou definitivamente, liguei para os meus pais. Tinha tomado uma decisão. Entrei em contato com o proprietário do imóvel e rescindi o contrato. Dois dias depois eu estava em outra residência para estudantes. Um pouco mais cara, mais afastada da faculdade, porém confortável e animada dia e noite. Após uma semana, numa conversa com amigos sobre a antiga moradia, um deles, um estudante de odontologia me contou o que tinha ouvido falar da minha moradia. Um conhecido seu, descobrira que o terreno em que se encontrava a vila, antes fora a residência de um velho patriarca rico. O homem tivera cinco filhos biológicos, mas também adotara mais dez crianças. Depois foi descoberto que ele abusava física e sexualmente tanto dos filhos legítimos, quanto dos filhos adotados. Duas dessas crianças tinham desaparecido. Depois do escândalo que chocou a cidade na época, a polícia descobriu os corpos das duas crianças enterradas no quintal. No bairro, os mais antigos que conheciam a história, não gostavam de lembrar do fato. Talvez por isso quase ninguém sabia do porquê aquele lugar ser funesto e morbidamente melancólico.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

TEATRO NA ESCOLA (Peça de teatro)

12 excelentes esquetes teatrais selecionadas para montagem na escola ou grupos teatrais. Ideal para o professor, diretor ou ator que busca um texto dinâmico e pronto para ser encenado. Desenvolvi esse material trabalhando como professor e instrutor de teatro, e sobretudo me dedicando à escrita teatral. Tenho certeza de que são textos adequados para, tanto os que estão iniciando, quanto para os que tem um grupo consolidado. BAIXE GRÁTIS...

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