sexta-feira, 13 de setembro de 2019

NUMA SEXTA FEIRA 13 (Conto de terror)

Nós chegamos ao prédio abandonado na quinta feira a noite. Éramos cinco e coisa estava complicada.
Mais cedo, tínhamos trocado tiros com os homens do governo. Sofrendo vários reveses, o melhor foi bater em retirada. Foi o Bruto que nos indicou o prédio, tinha as chaves para entrar, contatos com alguém que conhecia alguém que era amigo do dono do imóvel. Um prédio abandonado, cinza e atarracado de cinco andares. Bruto disse que havia sido condenado por problemas estruturais. As mais de dezoito famílias que o habitavam, tinham saído às pressas. Além de tudo, o lugar tinha fama de assombrado, informou Bruto enquanto acendia um cigarro. Os outros companheiros, sentados ao redor cuidando das próprias coisas. Só eu escutava o homem. Mas tem perigo, não, continuou ele, tirando grande baforada de fumaça. Com os fantasmas? Eu perguntei. Não sei nada de fantasmas, falou. Tou dizendo da estrutura... Olhei para as paredes e fiquei pensando nas duas ameaças: aquela massa de concreto caindo sobre nós e os assombros que ganhavam força com a chegada da noite. Não importava o ceticismo, o prédio tinha um ar sombrio, tristonho e ameaçador. Talvez fosse apenas o clima bélico que vivíamos, ou o lugar fosse mesmo amaldiçoado. De qualquer maneira, não íamos demorar ali e me concentrei em pensar em coisas práticas. Meus camaradas certamente ririam de mim se eu falasse do receio de vultos do outro mundo. Estávamos no primeiro andar, sentados num círculo e agora só se falava na escaramuça da qual tínhamos saído. Heitor, que assumiu o comando, dava as instruções. Basicamente ficaríamos ali até o outro dia, alguém daria uma olhada na rua e sairíamos um por um, se dispersando para um encontro a ser combinado depois. Haveria também um revezamento de guarda em que cada homem teria um turno de duas horas. O meu começaria às seis da manhã. Deitei no meu canto e fiquei lutando para conciliar o sono. Embora estivesse cansado, não conseguia relaxar. Passei a alternar cochilos leves com imagens perturbadoras a sons e visões tenebrosas nas paredes do apartamento em que estávamos. Eu ouvia passos, sussurros e estranhas sombras se formando nas paredes, parcamente iluminadas pelas luzes da rua. Aquelas coisas dançavam na parede como num teatro de sombras e tinham contornos fantásticos de animais e seres humanoides. Havia mesmo algo passeando naquele lugar e isso se projetava nas paredes. E se manifestava em passos e vibrações como se uma manada de paquidermes espectrais andasse por todo o prédio. Será que apenas eu percebia aquilo? Suportei tudo como bom soldado que afugenta seus medos. Assumi meu turno ainda cansado. Perguntei ao homem antes de mim se ele ouvira algo... Ouvi mesmo umas coisas estranhas, ele disse desconfiado... Mas não vi ninguém. Sob a luz fria da manhã, observando disfarçado a rua, o sono finalmente começou a me atacar. Acordei com o barulho de portas batendo e tiros. Pulei pela janela. Fugi pela entrada do prédio estupidamente desguarnecida pelas tropas do governo. Segui por ruas, sentindo dores terríveis no tornozelo esquerdo. Fugi, abandonei meu posto. Era o dia 13 de junho de 1969, uma sexta-feira. Naquela noite, num ônibus de viagem eu sonhei com meus companheiros mortos. Todos eles me diziam que tinham se juntado às almas dos condenados presos naquele prédio... e que era o culpado de tudo!

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