Nós
chegamos ao prédio abandonado na quinta feira a noite. Éramos cinco e coisa
estava complicada.
Mais cedo, tínhamos trocado tiros com os homens do governo.
Sofrendo vários reveses, o melhor foi bater em retirada. Foi o Bruto que nos
indicou o prédio, tinha as chaves para entrar, contatos com alguém que conhecia
alguém que era amigo do dono do imóvel. Um prédio abandonado, cinza e
atarracado de cinco andares. Bruto disse que havia sido condenado por problemas
estruturais. As mais de dezoito famílias que o habitavam, tinham saído às
pressas. Além de tudo, o lugar tinha fama de assombrado, informou Bruto
enquanto acendia um cigarro. Os outros companheiros, sentados ao redor cuidando
das próprias coisas. Só eu escutava o homem. Mas tem perigo, não, continuou
ele, tirando grande baforada de fumaça. Com os fantasmas? Eu perguntei. Não sei
nada de fantasmas, falou. Tou dizendo da estrutura... Olhei para as paredes e
fiquei pensando nas duas ameaças: aquela massa de concreto caindo sobre nós e
os assombros que ganhavam força com a chegada da noite. Não importava o
ceticismo, o prédio tinha um ar sombrio, tristonho e ameaçador. Talvez fosse
apenas o clima bélico que vivíamos, ou o lugar fosse mesmo amaldiçoado. De
qualquer maneira, não íamos demorar ali e me concentrei em pensar em coisas
práticas. Meus camaradas certamente ririam de mim se eu falasse do receio de
vultos do outro mundo. Estávamos no primeiro andar, sentados num círculo e
agora só se falava na escaramuça da qual tínhamos saído. Heitor, que assumiu o
comando, dava as instruções. Basicamente ficaríamos ali até o outro dia, alguém
daria uma olhada na rua e sairíamos um por um, se dispersando para um encontro
a ser combinado depois. Haveria também um revezamento de guarda em que cada
homem teria um turno de duas horas. O meu começaria às seis da manhã. Deitei no
meu canto e fiquei lutando para conciliar o sono. Embora estivesse cansado, não
conseguia relaxar. Passei a alternar cochilos leves com imagens perturbadoras a
sons e visões tenebrosas nas paredes do apartamento em que estávamos. Eu ouvia
passos, sussurros e estranhas sombras se formando nas paredes, parcamente
iluminadas pelas luzes da rua. Aquelas coisas dançavam na parede como num
teatro de sombras e tinham contornos fantásticos de animais e seres humanoides.
Havia mesmo algo passeando naquele lugar e isso se projetava nas paredes. E se
manifestava em passos e vibrações como se uma manada de paquidermes espectrais andasse
por todo o prédio. Será que apenas eu percebia aquilo? Suportei tudo como bom
soldado que afugenta seus medos. Assumi meu turno ainda cansado. Perguntei ao
homem antes de mim se ele ouvira algo... Ouvi mesmo umas coisas estranhas, ele
disse desconfiado... Mas não vi ninguém. Sob a luz fria da manhã, observando
disfarçado a rua, o sono finalmente começou a me atacar. Acordei com o barulho
de portas batendo e tiros. Pulei pela janela. Fugi pela entrada do prédio
estupidamente desguarnecida pelas tropas do governo. Segui por ruas, sentindo
dores terríveis no tornozelo esquerdo. Fugi, abandonei meu posto. Era o dia 13
de junho de 1969, uma sexta-feira. Naquela noite, num ônibus de viagem eu
sonhei com meus companheiros mortos. Todos eles me diziam que tinham se juntado
às almas dos condenados presos naquele prédio... e que era o culpado de tudo!
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