O
que pode nos causar o sobrenatural? A morte? Será que alguém já foi vítima de
um fantasma, monstro do outro mundo? É mais racional se supor que não. Então,
porque temos medo do sobrenatural, supondo que ele existe? Por que as almas de
outras pessoas nos assustam se eles não têm materialidade para nos ferir
fisicamente? Parece que há uma essência no sobressalto da assombração que nos
atinge além da percepção. Um medo irracional que provavelmente está ligado a
uma autopreservação mental. Nossa razão quer a todo custo evitar algo que a
contrarie. Não é simplesmente receio do macabro, mas uma repulsa ao irracional,
do inexplicável, daquilo que contraria tudo que sabemos. Ele era um homem culto. Não muito
cético – acreditava em Deus e na prática saudável da religião – mas não era
dado a crendices e superstições. Tinha uma vida equilibrada entre seus estudos
e trabalhos e era admirado. O que aconteceu, veio sem nenhum aviso prévio.
Talvez, apenas um prólogo do que viria. Sonhou sonhos estranhos aquela noite. E
foram tão estranhos e confusos que aquilo lhe levou o sono. Então tudo teve
começou. De início foi como o som de chuva fraca que se tornará tempestade.
Havia algo de novo no seu quarto. Algo que não estava ali quando ele se
deitara. Um peso no ar que ajudou a insônia a tomar proporções maiores. Tentou
em vão, afastar aquilo do pensamento, mas isso só provocou mais e mais
impaciência. Havia algo de novo perto dele e não sabia dizer o que era, ou
porque estava ali. Buscou o sono e pegou um livro quando desistiu da busca. A
manhã veio se anunciando na tênue mudança da luz do quarto. Infelizmente a
leitura não lhe trouxe sono e aquela sensação não o abandonava. Havia algo de
novo e era um tormento não saber do que se tratava e não poder afastar a mente
disso. Uma presença. Era o que diria para algum interlocutor se no momento
fosse desabafar com alguém. Desistiu. Foi ao banheiro e tomou uma ducha fria.
Ainda tinha duas horas e meia antes de ir para o trabalho, mas era melhor
deixar o quarto. Tomou o café da manhã, conferiu as notícias do dia no seu
celular. O tempo todo tentou se concentrar no que fazia, mas era constantemente
desviado do foco ao pensar naquela presença invisível. Provavelmente quando
estivesse no trânsito, nos estresses do trabalho, se livraria daquilo. Engano! Chegou
em casa se sentindo péssimo. O dia tinha sido de puros aborrecimentos. E
aquilo, aquela sensação de alguém, algum vulto próximo a ele só crescera. Que
diabos era aquilo? Um encosto? Uma alma querendo trazer alguma mensagem como no
cinema? Lutou contra aquilo por horas, por dias. Nos momentos mais recônditos e
nas horas mais públicas. Estava ficando louco! Acordava no meio da noite como
se o tivessem chamado. Por que não vai embora? Perguntava no escuro, na sala,
na cozinha, sempre se voltando para onde achava que podia estar aquele ser sem
forma que se arrastava ao lado dele. Foi em um amigo que gostava de assuntos de
ocultismo e foi recebido com um olhar assustado. Não vai acreditar, sei que não
crer nessas coisas, disse o amigo. Mas tem algo te seguindo. Saiu dali
indignado xingando céus e terra. Como era possível que um sujeito como ele
fosse vítima de algo tão vulgar quanto um fantasma pegajoso! Que tinha feito
pra merecer aquilo. Estavam todos loucos, inclusive ele? Regressou ao amigo que
lhe fez orações e receitas que incluíam encantos e ervas. Naquela noite teve um
ataque de fúria e arrebentou a mobília do quarto xingando sem parar a presença
que não o deixava em paz. Chorou, pediu a Deus, falou em voz alta que estava
ficando louco. Dormiu no tapete, como um cão. Acordou de súbito. A presença
constante ali, só que dessa vez parecia zangada, descontente com ele. Respirou
fundo. Se esforçou nos dias seguintes para ignorar a ira de seu acompanhante.
Tornou-se desleixado. Já não conseguia fazer nada direito. Nem trabalhar,
comer, estudar, qualquer coisa por mais banal que fosse. Visitou templos,
terreiros, muitas teorias, mas aquele ser nunca ia embora. E pior, parecia
reagir negativa ou positivamente ao que fazia. Abandonou o trabalho, a
faculdade, foi pra casa de uns parentes sempre implorando pra não ficar sozinho
com aquela coisa. Foi taxado de louco, consultado por psiquiatras. Nada
resolvia, mas o pânico e um medo crescente tomavam conta dele. Uma noite
resolveu perguntar aquela entidade o que queria dele. Então, no meio do escuro
alguém falou: Te deixar louco se não quiser ouvir minha história. E qual sua,
história? Ele perguntou. A voz então disse coisas que ele não lembraria nunca
mais e depois cessou para sempre juntamente com sua presença. Ele voltou ao
normal. Disse que tinham exigido apenas que lhe escutasse. O quê? Já não podia
lembrar. Mas em essência dizia que os vivos deviam estar atentos ao que há do
outro lado, escondido, prontos a entender ou enlouqueceram com a possibilidade
de outros mundos.
domingo, 28 de outubro de 2018
domingo, 21 de outubro de 2018
RICHARD (Conto de terror)
O
terror, em geral, tem forte relação com o passado. Casas ditas assombradas, tem
na sua assombração o resultado de algo que aconteceu em outro tempo. Os vultos
e fantasmas que nos espreitam pelo canto do olho, somente estão ali por causa
de algo que deixaram os mortos aprisionados no presente. Maldições são
resultados de ódios que ocorreram anos atrás e continuam manifestando sua
desgraça através do tempo. Objetos enfeitiçados foram obra de um desejo de
continuidade. O terror é de natureza velha, é sempre resultado, resquício,
perpetuação da maldade e do erro que já foi. É um castigo para os presentes e a
mensagem de que há coisas que devem continuar punindo indefinidamente. O velho Richard era um homem recluso e
isso era coisa que se sabia. Aposentado já há alguns anos, poderia ter tido uma
vida confortável e igual a de vários outros cidadãos comuns. Viúvo, solitário,
se ocupava em acumular coisas. Depois da morte da esposa e dos filhos num
acidente, ele perdera o contato com as pessoas e se fechara no seu mundo. E
assim os anos se passaram sem que alguém se dispusesse a se aproximar dele. As
explicações mais simples, eram as mais aceitas: o homem ficara louco por causa
da solidão e tristeza. Um caso comum e inofensivo de loucura urbana. De fato,
era sem importância e até útil o velho que pegava os moveis abandonados pela
vizinhança e levava para sua espaçosa e abarrotada casa. As mães usavam sua
imagem para assustar as crianças fazendo-as se comportar. Os moleques mais
velhos evitavam deixar suas bolas de futebol caírem no seu jardim que acumulava
todo tipo de sucata. Tudo corria na mais absoluta rotina vazia até aquele
verão. As pessoas começaram a sentir um cheiro forte de podridão como nunca
antes haviam sentido por ali. Fizeram uma busca, mas nada encontraram. A única
coisa que descobriram foi de onde poderia vir o mal cheiro. Da casa do recluso
e acumulador do bairro. Pensou-se a princípio que o homem tinha recolhido
animais mortos. Alguém foi falar com ele, mas foi recebido de maneira bastante
hostil O homem não falava mais, só grunhia e parecia agressivo. Tiveram certeza
de que algo estranho acontecia naquela casa. Recorreram ao poder público,
bombeiros e policiais vieram. Então a verdade veio à tona. Dispostos de maneira
curiosa, foram encontrado cadáveres de 3 pessoas. Duas moças e um garoto. Os
corpos apresentavam vários golpes de objeto cortante. O velho Richard não quis
falar, ergueu um facão enferrujado para os homens da lei, mas foi imobilizado
imediatamente. Permaneceu em silêncio diante das autoridades. A maioria
concordou que ele perdera a capacidade de se comunicar e se suspeita que, mesmo
que falasse, não seria capaz de justificar ou explicar o que fizera. Sobre as
vítimas, descobriu-se que o garoto vivia na rua e as duas mulheres se tratavam
de prostitutas. Ao que tudo indica, o velho os atacara à noite e trouxera seus
corpos no carrinho que ele costumava usar. O eremita terminou os seus dias num
hospício. Sem falar, só emitindo urros em situações extremas. Nunca se entendeu
suas razões. A explicação mais plausível, foi que na sua loucura o homem tentou
reconstruir sua família. Conclusão baseada na posição em que estavam os corpos
dispostos ao redor de uma mesa. A casa de Richard veio a baixo com o
tempo. Uma nova residência foi construída no lugar. Até hoje, 3 famílias já
moraram lá. Todas abandonaram a casa pela mesma razão: barulhos inexplicáveis à
noite, vultos, estranhos gemidos e, principalmente, lixo aparecendo pelos
cantos do dia para noite. Não falta quem diga que a alma do velho Richard ronda
o local carregando sua velha tristeza e obsessão em acumular objetos. Na casa
há uma placa de aluga-se, já perdendo se desbotando, e apesar do bairro ter um
constante de serviço de limpeza pública, o lixo se acumula na sua calçada e
jardim de maneira espantosa.
domingo, 14 de outubro de 2018
A COISA QUE URRAVA parte 2 (Contos de terror)
A
decisão que eu tomei para resolver aquilo trouxe resultado, mas também efeitos
colaterais indeléveis. Como cheguei a passar uma noite toda acordado por causa
dos urros, resolvi buscar mais a fundo a origem daquilo. Nem sequer esperei
passar outra noite toda em claro. Uma foi simplesmente um inferno! Então, imediatamente
na noite seguinte, saí de casa tão logo os urros começaram. Parei diante do meu
portão e olhei para os dois lados da rua. Não havia viva alma naquela hora da
noite. Apenas um vento frio e o farfalhar das plantas. Apesar de todos os
postes da rua terem lâmpadas funcionando perfeitamente, parte da rua ficava na
penumbra. Principalmente debaixo dos enormes pés de jambo que se dispunham na
caçada – e por ali havia vários. Estranhamente não ouvi os urros.
Aleatoriamente escolhi o caminho da direita e fui andando. Olhava os muros e as
janelas das casas vizinhas. Caminhei pouco e logo às minhas ouvi os malditos
urros. Voltei-me e fui andando, apurando o ouvido para descobrir de onde vinha
aquele som. De acordo com minha audição atravessei a rua e fui em direção a um
automóvel que estava dois terços estacionado na calçada, o restante na rua. Os
urros e gemidos ficaram tão próximos que eu tive a certeza de que logo veria o
ser que produzia aquelas lamúrias a noite toda. Parei perto do automóvel e
escutei. Caminhei mais um pouco e a fonte do barulho pareceu diminuir. Voltei.
Olhei para dentro do automóvel de vidros escuros, mas era impossível ver algo
através do vidro. Será que a criatura estava dentro daquele automóvel? Agora
ouvindo os urros e gemidos tão mais próximos, não sabia dizer se quem produzia
aquilo era um ser humano ou um animal. Mas não fazia sentido uma pessoa ou
bicho estarem preso dentro do automóvel. Que louco faria isso? Tive então uma
ideia bastante óbvia: olhar debaixo do carro. Fui me agachando quando ouvi algo
além dos urros. O som do movimento de patas de um animal ciscando no chão.
Imediatamente me detive. Fui me afastando devagar e olhando para debaixo do
automóvel. Tive certeza de que havia algo ou alguém ali embaixo. Parei,
continuei observando e recordo bem que nesse momento os urros cessaram. Então
ele – uso o pronome apenas para designar o ser, mas era impossível saber se era
do gênero feminino ou masculino – saiu de debaixo do carro. Descobri naquele
momento que o horror absoluto causa um choque quase indescritível e progressivo.
Senti minhas forças serem drenadas pouco a pouco. Lembro que além do mal-estar
físico intenso que senti, algo gritou na minha mente que o sobrenatural com
fantasmas e demônios eram uma coisa absurdamente real. E eu estava ali e todo
aquele horror não era um simples pesadelo. O ser tinha traços humanos, mas era
deformado a um ponto que não se podia dizer que era uma pessoa com defeitos
congênitos ou adquiridos. O monstro se arrastou para fora, olhou para mim e
abriu a boca. Seu crânio exibia uma fonte baixa, seus olhos não possuíam
simetria, apesar de terem algo de consciente, humano e febrilmente insano. Sua
boca era enorme e tinha dentes enormes, amarelados e sujos. O nariz eram apenas
dois orifícios desiguais entre a inexistência de lábios e os olhos. Seu tronco
era curvado e seus membros, braços e pernas desiguais. Numa fração de segundos achei
que aquela coisa fosse aleijada, mas logo conclui que não. Havia uma harmonia
doentia na anatomia da criatura. Uma anatomia que a projetara para rastejar e
ser repulsiva. Mas nem o mais vil dos repteis que eu conhecia tinha aspecto tão
desagradável. A pele da criatura variava de um tom amarelo a branco e tinha
muitas manchas escuras. Também exalava um odor de carne podre insuportável. Ele
me olhou nos olhos, abriu a boca e urrou do jeito familiar que eu acompanhara
todos os dias desde que viera morar ali. Nesse momento percebi que me faltava
ar e minha pernas pareciam pesar toneladas. Caminhei de costas com os olhos
pregados no monstro, vendo ele se arrastando e urrando. Com dificuldade me
voltei e segui em direção à minha casa. Parei diante do meu portão, me virei e
vi que o demônio ainda vinha em minha direção. Nada do que posso falar acerca daquela
criatura se constitui numa certeza, mas tinha uma impressão bastante clara de
que ele sofria e havia rancor no seu urro além de dor. Este foi um dos meus
últimos pensamentos antes de desmaiar.
Acordei com uma senhora com roupas
esportivas me chamando. “Meu filho, que você tá fazendo deitado na calçada? ”
Levantei, encarei a senhora, olhei para o local onde tinha visto o monstro a
última vez e não vi nada. “Você está bem, jovem? ”, indagou a senhora.
Disse-lhe que tinha passado mal quando vinha chegando em casa. “Isso foi coisa
de farra...”, a senhora falou e eu me apressei a entrar em casa. Ela continuou
falando algo, mas eu não ouvi. Tratei de entrar em casa para fugir de todo
aquele horror que parecia estar ainda bem próximo de mim.
Naquele mesmo dia fui para casa dos
meus pais. Dois dias depois fui com uma empresa de mudanças pegar meus poucos
pertences. Minha mãe insistiu em saber o que tinha me feito abandonar a nova
casa. O tempo todo ela insinuava que eu tinha sido assaltado ou coisa parecida.
Não me animei a contar a história daquela coisa que urrava. Mas não lhe ocultei
tudo. Disse-lhe que a casa, a rua me dava arrepios e eu tinha dificuldade de
dormir. Meus pais disseram que eu poderia ficar o tempo que quisesse.
Obviamente não ouvi mais os urros daquela criatura, mas sua imagem ficou
gravada em minha mente e, embora eu a tivesse visto por pouco mais de um
minuto, era algo bastante nítido. Tanto que, as vezes a noite demoro a dormir
lembrando de sua face e urros, além dos sonhos recorrentes que tenho com sua
visão de puro horror. Já fazem 10 anos que isso ocorreu, mas eu recordo tudo
tão bem como se tivesse acontecido há uma semana. Nunca encontrei uma
explicação clara para o que aconteceu. Quem ouviu de mim o acontecimento, falou
em sonhos acordados. Não posso especular mais nada, só tenho a certeza de que o
horror existe com mistérios absolutos e aparentemente sem propósitos.
domingo, 7 de outubro de 2018
A COISA QUE URRAVA parte 1 (Contos de terror)
Eu
tinha 25 anos quando fui morar sozinho. Acabara de sair da faculdade e
conseguira um bom emprego num famoso escritório de advocacia. Lá eu ia aprender
com os melhores e teria imensas chances de ser um grande advogado. Confesso que
tudo vinha da assistência do meu pai e de uns tios que tinham uma larga
tradição em direito na cidade. Talvez foi exatamente por isso, essa ajuda
presente em todos os estágios da minha vida, que fez aumentar o meu desejo de
ir morar sozinho. E num lugar que minha família tradicional e super protetora
não aprovava. Eu ganhava um bom dinheiro, mas não era ainda suficiente para
pagar o aluguel de uma casa num dos bairros mais nobres da cidade. Para mim era
tranquilo viver numa pequena e simpática casa na periferia. Meus familiares
foram contra, se ofereceram para ajudar no aluguel de uma moradia melhor, mais
bem situada. Não aceitei. Disse que eles tinham me ajudado a vida toda e eu
queria agora galgar os degraus da vida sem segurar na mão de ninguém. Eles já
tinham feito muito. Eu era grato, mas queria mudar as coisas. “Esse emprego no
escritório é representa muito, me deixem andar com minhas próprias pernas a
partir de agora”, eu disse. Meu pai disse que entendia. Minha mãe fez um ar
insatisfeito. Meu tio sorriu e deu uns tapinhas nas minhas costas. “Dá-lhe,
garoto! Você sabe o que tá fazendo! ” Eu sempre tivera uma vida privilegiada,
tinha reconhecido e dado valor aquilo tudo, era extremamente grato e achava que
tinha recebido mais que o suficiente. A maior preocupação da minha mãe era
porque eu estava indo para um bairro mal afamado, violento e repleto de
traficantes. “Você não vê como as coisas estão? ”, indagava minha mãe com uma
expressão que fazia a testa dela ficar toda franzida. Disse que estava
decidido. As discussões acabaram e eu me mudei. Lembro que me sentia muito eufórico,
senhor do meu destino. Levamos minhas poucas coisas para nova casa e eu comecei
a me estabelecer. Digo nova casa, me referindo à novidade de morar sozinho, mas
a casa em si era um tanto antiga. Não que estivesse caindo aos pedaços, era
muito bem conservada por sinal. Simples e bem estruturada, pintura nova e tudo
mais. Na primeira noite lá, eu fiquei acordado até tarde estudando alguns
papéis, adiantando coisas do trabalho. Tomei uma taça de vinho e me deitei no
carpete recentemente colocado. Recordo que a sala era o único cômodo
devidamente organizado naquela primeira noite. Ouvi alguns urros estranhos, mas
não dei atenção a isso. Estava muito cansado e acabei dormindo ali mesmo. A
semana se passou e durante esse tempo eu dormi na sala. Depois do primeiro
final de semana, deixei tudo em ordem e dormi a primeira noite no quarto, o
quarto principal que ficava na parte frontal da casa. Ouvi mais claramente os
urros, pouco antes de dormir. Escutava esses urros intercalados por latidos de
cães, vozes de pessoas que passavam pela rua, sons dos poucos automóveis – era
uma rua estreita, pouco movimentada; de maneira que não dei atenção. Na outra
noite, chamei uns amigos para uma pequena festinha. Fui dormir às 4 da manhã um
tanto leve por causa do vinho, mas lembro, claramente que nessa noite dei mais
atenção aqueles sons estranhos antes de dormir.
Então aquilo se tornou rotina.
Sempre antes de dormir eu ouvia urros, gemidos agudos que se estendiam
indefinidamente. Eu sentia que havia algo de estranho naquilo, mas sempre
tentava ignorar. Uma noite sonhei que entrava na minha casa um monstruoso cão
negro de olhos vermelhos. O bicho não latia nem rosnava, apenas emitia os urros
que eu costumava ouvir quando deitava na cama à noite. Aquela coisa partia para
cima de mim e eu me encolhia todo em atitude de defesa. Acordei num susto quase
igual aquelas cenas que vemos em filmes quando o sujeito acorda em sobressalto,
suado e ofegante. Tentei me acalmar e disse a mim mesmo que tudo não passava de
um sonho. Foi aí que eu ouvi claramente aqueles urros que estavam terríveis
como nunca naquele momento. Pela primeira procurei a fonte daqueles sons.
Levantei, fui até a janela, abri as persianas e olhei para fora. A vista era
bastante limitada: via meu jardim com algumas poucas plantas e parte da rua
depois do portão. Tive a impressão de que o som vinha da rua, não era algo que
estivesse trancando em algum lugar.
Num
dia pela manhã interpelei um vizinho sobre aquele barulho. Ele disse não ter
ouvido nada. Estranho era que ele morava bem ao lado da minha casa. “Desde a
primeira noite que dormi aqui que escuto isso”, falei. O sujeito me olhou
confuso. “Talvez seja um cachorro de rua”, ele supôs fazendo um ar
condescendente que indicava que era óbvio que ele não estava interessado
naquele assunto. As noites seguiram e sempre antes de dormir aquilo me
atormentava. Tentei de várias maneiras ignorar aquilo: leituras, programas de
TV, celular, computador, mas minha mente sempre se voltava para aquele barulho
infernal. Não queria muito admitir, mas aquilo causava algo estranho em mim e
eu não sabia dizer o que era. Não era somente o som, pois o mesmo não era alto
a ponto de impedir o sono. Ouvir aquilo, mesmo que em um tom menor já era
exasperante. Digo isso com toda a certeza porque dormi nos outros quartos e a
perturbação era a mesma. Mas o que era um persistente, intenso e curto incomodo
– isso durava até eu conseguir dormir -
aumentou e, os quinze vinte minutos antes de dormir ouvindo aquilo, se
prolongou para uma hora, duas... Três. Meu tempo de sono foi diminuindo. O
tormento atrasando o sono e se intercalando entre ele, ou seja, eu demorava a
dormir e depois acordava por causa dos urros e não dormia mais. Algo que de
início não tinha acontecido
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