domingo, 28 de outubro de 2018

O VULTO (Conto de terror)


O que pode nos causar o sobrenatural? A morte? Será que alguém já foi vítima de um fantasma, monstro do outro mundo? É mais racional se supor que não. Então, porque temos medo do sobrenatural, supondo que ele existe? Por que as almas de outras pessoas nos assustam se eles não têm materialidade para nos ferir fisicamente? Parece que há uma essência no sobressalto da assombração que nos atinge além da percepção. Um medo irracional que provavelmente está ligado a uma autopreservação mental. Nossa razão quer a todo custo evitar algo que a contrarie. Não é simplesmente receio do macabro, mas uma repulsa ao irracional, do inexplicável, daquilo que contraria tudo que sabemos. Ele era um homem culto. Não muito cético – acreditava em Deus e na prática saudável da religião – mas não era dado a crendices e superstições. Tinha uma vida equilibrada entre seus estudos e trabalhos e era admirado. O que aconteceu, veio sem nenhum aviso prévio. Talvez, apenas um prólogo do que viria. Sonhou sonhos estranhos aquela noite. E foram tão estranhos e confusos que aquilo lhe levou o sono. Então tudo teve começou. De início foi como o som de chuva fraca que se tornará tempestade. Havia algo de novo no seu quarto. Algo que não estava ali quando ele se deitara. Um peso no ar que ajudou a insônia a tomar proporções maiores. Tentou em vão, afastar aquilo do pensamento, mas isso só provocou mais e mais impaciência. Havia algo de novo perto dele e não sabia dizer o que era, ou porque estava ali. Buscou o sono e pegou um livro quando desistiu da busca. A manhã veio se anunciando na tênue mudança da luz do quarto. Infelizmente a leitura não lhe trouxe sono e aquela sensação não o abandonava. Havia algo de novo e era um tormento não saber do que se tratava e não poder afastar a mente disso. Uma presença. Era o que diria para algum interlocutor se no momento fosse desabafar com alguém. Desistiu. Foi ao banheiro e tomou uma ducha fria. Ainda tinha duas horas e meia antes de ir para o trabalho, mas era melhor deixar o quarto. Tomou o café da manhã, conferiu as notícias do dia no seu celular. O tempo todo tentou se concentrar no que fazia, mas era constantemente desviado do foco ao pensar naquela presença invisível. Provavelmente quando estivesse no trânsito, nos estresses do trabalho, se livraria daquilo. Engano! Chegou em casa se sentindo péssimo. O dia tinha sido de puros aborrecimentos. E aquilo, aquela sensação de alguém, algum vulto próximo a ele só crescera. Que diabos era aquilo? Um encosto? Uma alma querendo trazer alguma mensagem como no cinema? Lutou contra aquilo por horas, por dias. Nos momentos mais recônditos e nas horas mais públicas. Estava ficando louco! Acordava no meio da noite como se o tivessem chamado. Por que não vai embora? Perguntava no escuro, na sala, na cozinha, sempre se voltando para onde achava que podia estar aquele ser sem forma que se arrastava ao lado dele. Foi em um amigo que gostava de assuntos de ocultismo e foi recebido com um olhar assustado. Não vai acreditar, sei que não crer nessas coisas, disse o amigo. Mas tem algo te seguindo. Saiu dali indignado xingando céus e terra. Como era possível que um sujeito como ele fosse vítima de algo tão vulgar quanto um fantasma pegajoso! Que tinha feito pra merecer aquilo. Estavam todos loucos, inclusive ele? Regressou ao amigo que lhe fez orações e receitas que incluíam encantos e ervas. Naquela noite teve um ataque de fúria e arrebentou a mobília do quarto xingando sem parar a presença que não o deixava em paz. Chorou, pediu a Deus, falou em voz alta que estava ficando louco. Dormiu no tapete, como um cão. Acordou de súbito. A presença constante ali, só que dessa vez parecia zangada, descontente com ele. Respirou fundo. Se esforçou nos dias seguintes para ignorar a ira de seu acompanhante. Tornou-se desleixado. Já não conseguia fazer nada direito. Nem trabalhar, comer, estudar, qualquer coisa por mais banal que fosse. Visitou templos, terreiros, muitas teorias, mas aquele ser nunca ia embora. E pior, parecia reagir negativa ou positivamente ao que fazia. Abandonou o trabalho, a faculdade, foi pra casa de uns parentes sempre implorando pra não ficar sozinho com aquela coisa. Foi taxado de louco, consultado por psiquiatras. Nada resolvia, mas o pânico e um medo crescente tomavam conta dele. Uma noite resolveu perguntar aquela entidade o que queria dele. Então, no meio do escuro alguém falou: Te deixar louco se não quiser ouvir minha história. E qual sua, história? Ele perguntou. A voz então disse coisas que ele não lembraria nunca mais e depois cessou para sempre juntamente com sua presença. Ele voltou ao normal. Disse que tinham exigido apenas que lhe escutasse. O quê? Já não podia lembrar. Mas em essência dizia que os vivos deviam estar atentos ao que há do outro lado, escondido, prontos a entender ou enlouqueceram com a possibilidade de outros mundos.

domingo, 21 de outubro de 2018

RICHARD (Conto de terror)

O terror, em geral, tem forte relação com o passado. Casas ditas assombradas, tem na sua assombração o resultado de algo que aconteceu em outro tempo. Os vultos e fantasmas que nos espreitam pelo canto do olho, somente estão ali por causa de algo que deixaram os mortos aprisionados no presente. Maldições são resultados de ódios que ocorreram anos atrás e continuam manifestando sua desgraça através do tempo. Objetos enfeitiçados foram obra de um desejo de continuidade. O terror é de natureza velha, é sempre resultado, resquício, perpetuação da maldade e do erro que já foi. É um castigo para os presentes e a mensagem de que há coisas que devem continuar punindo indefinidamente. O velho Richard era um homem recluso e isso era coisa que se sabia. Aposentado já há alguns anos, poderia ter tido uma vida confortável e igual a de vários outros cidadãos comuns. Viúvo, solitário, se ocupava em acumular coisas. Depois da morte da esposa e dos filhos num acidente, ele perdera o contato com as pessoas e se fechara no seu mundo. E assim os anos se passaram sem que alguém se dispusesse a se aproximar dele. As explicações mais simples, eram as mais aceitas: o homem ficara louco por causa da solidão e tristeza. Um caso comum e inofensivo de loucura urbana. De fato, era sem importância e até útil o velho que pegava os moveis abandonados pela vizinhança e levava para sua espaçosa e abarrotada casa. As mães usavam sua imagem para assustar as crianças fazendo-as se comportar. Os moleques mais velhos evitavam deixar suas bolas de futebol caírem no seu jardim que acumulava todo tipo de sucata. Tudo corria na mais absoluta rotina vazia até aquele verão. As pessoas começaram a sentir um cheiro forte de podridão como nunca antes haviam sentido por ali. Fizeram uma busca, mas nada encontraram. A única coisa que descobriram foi de onde poderia vir o mal cheiro. Da casa do recluso e acumulador do bairro. Pensou-se a princípio que o homem tinha recolhido animais mortos. Alguém foi falar com ele, mas foi recebido de maneira bastante hostil O homem não falava mais, só grunhia e parecia agressivo. Tiveram certeza de que algo estranho acontecia naquela casa. Recorreram ao poder público, bombeiros e policiais vieram. Então a verdade veio à tona. Dispostos de maneira curiosa, foram encontrado cadáveres de 3 pessoas. Duas moças e um garoto. Os corpos apresentavam vários golpes de objeto cortante. O velho Richard não quis falar, ergueu um facão enferrujado para os homens da lei, mas foi imobilizado imediatamente. Permaneceu em silêncio diante das autoridades. A maioria concordou que ele perdera a capacidade de se comunicar e se suspeita que, mesmo que falasse, não seria capaz de justificar ou explicar o que fizera. Sobre as vítimas, descobriu-se que o garoto vivia na rua e as duas mulheres se tratavam de prostitutas. Ao que tudo indica, o velho os atacara à noite e trouxera seus corpos no carrinho que ele costumava usar. O eremita terminou os seus dias num hospício. Sem falar, só emitindo urros em situações extremas. Nunca se entendeu suas razões. A explicação mais plausível, foi que na sua loucura o homem tentou reconstruir sua família. Conclusão baseada na posição em que estavam os corpos dispostos ao redor de uma mesa. A casa de Richard veio a baixo com o tempo. Uma nova residência foi construída no lugar. Até hoje, 3 famílias já moraram lá. Todas abandonaram a casa pela mesma razão: barulhos inexplicáveis à noite, vultos, estranhos gemidos e, principalmente, lixo aparecendo pelos cantos do dia para noite. Não falta quem diga que a alma do velho Richard ronda o local carregando sua velha tristeza e obsessão em acumular objetos. Na casa há uma placa de aluga-se, já perdendo se desbotando, e apesar do bairro ter um constante de serviço de limpeza pública, o lixo se acumula na sua calçada e jardim de maneira espantosa.

domingo, 14 de outubro de 2018

A COISA QUE URRAVA parte 2 (Contos de terror)


A decisão que eu tomei para resolver aquilo trouxe resultado, mas também efeitos colaterais indeléveis. Como cheguei a passar uma noite toda acordado por causa dos urros, resolvi buscar mais a fundo a origem daquilo. Nem sequer esperei passar outra noite toda em claro. Uma foi simplesmente um inferno! Então, imediatamente na noite seguinte, saí de casa tão logo os urros começaram. Parei diante do meu portão e olhei para os dois lados da rua. Não havia viva alma naquela hora da noite. Apenas um vento frio e o farfalhar das plantas. Apesar de todos os postes da rua terem lâmpadas funcionando perfeitamente, parte da rua ficava na penumbra. Principalmente debaixo dos enormes pés de jambo que se dispunham na caçada – e por ali havia vários. Estranhamente não ouvi os urros. Aleatoriamente escolhi o caminho da direita e fui andando. Olhava os muros e as janelas das casas vizinhas. Caminhei pouco e logo às minhas ouvi os malditos urros. Voltei-me e fui andando, apurando o ouvido para descobrir de onde vinha aquele som. De acordo com minha audição atravessei a rua e fui em direção a um automóvel que estava dois terços estacionado na calçada, o restante na rua. Os urros e gemidos ficaram tão próximos que eu tive a certeza de que logo veria o ser que produzia aquelas lamúrias a noite toda. Parei perto do automóvel e escutei. Caminhei mais um pouco e a fonte do barulho pareceu diminuir. Voltei. Olhei para dentro do automóvel de vidros escuros, mas era impossível ver algo através do vidro. Será que a criatura estava dentro daquele automóvel? Agora ouvindo os urros e gemidos tão mais próximos, não sabia dizer se quem produzia aquilo era um ser humano ou um animal. Mas não fazia sentido uma pessoa ou bicho estarem preso dentro do automóvel. Que louco faria isso? Tive então uma ideia bastante óbvia: olhar debaixo do carro. Fui me agachando quando ouvi algo além dos urros. O som do movimento de patas de um animal ciscando no chão. Imediatamente me detive. Fui me afastando devagar e olhando para debaixo do automóvel. Tive certeza de que havia algo ou alguém ali embaixo. Parei, continuei observando e recordo bem que nesse momento os urros cessaram. Então ele – uso o pronome apenas para designar o ser, mas era impossível saber se era do gênero feminino ou masculino – saiu de debaixo do carro. Descobri naquele momento que o horror absoluto causa um choque quase indescritível e progressivo. Senti minhas forças serem drenadas pouco a pouco. Lembro que além do mal-estar físico intenso que senti, algo gritou na minha mente que o sobrenatural com fantasmas e demônios eram uma coisa absurdamente real. E eu estava ali e todo aquele horror não era um simples pesadelo. O ser tinha traços humanos, mas era deformado a um ponto que não se podia dizer que era uma pessoa com defeitos congênitos ou adquiridos. O monstro se arrastou para fora, olhou para mim e abriu a boca. Seu crânio exibia uma fonte baixa, seus olhos não possuíam simetria, apesar de terem algo de consciente, humano e febrilmente insano. Sua boca era enorme e tinha dentes enormes, amarelados e sujos. O nariz eram apenas dois orifícios desiguais entre a inexistência de lábios e os olhos. Seu tronco era curvado e seus membros, braços e pernas desiguais. Numa fração de segundos achei que aquela coisa fosse aleijada, mas logo conclui que não. Havia uma harmonia doentia na anatomia da criatura. Uma anatomia que a projetara para rastejar e ser repulsiva. Mas nem o mais vil dos repteis que eu conhecia tinha aspecto tão desagradável. A pele da criatura variava de um tom amarelo a branco e tinha muitas manchas escuras. Também exalava um odor de carne podre insuportável. Ele me olhou nos olhos, abriu a boca e urrou do jeito familiar que eu acompanhara todos os dias desde que viera morar ali. Nesse momento percebi que me faltava ar e minha pernas pareciam pesar toneladas. Caminhei de costas com os olhos pregados no monstro, vendo ele se arrastando e urrando. Com dificuldade me voltei e segui em direção à minha casa. Parei diante do meu portão, me virei e vi que o demônio ainda vinha em minha direção. Nada do que posso falar acerca daquela criatura se constitui numa certeza, mas tinha uma impressão bastante clara de que ele sofria e havia rancor no seu urro além de dor. Este foi um dos meus últimos pensamentos antes de desmaiar.
            Acordei com uma senhora com roupas esportivas me chamando. “Meu filho, que você tá fazendo deitado na calçada? ” Levantei, encarei a senhora, olhei para o local onde tinha visto o monstro a última vez e não vi nada. “Você está bem, jovem? ”, indagou a senhora. Disse-lhe que tinha passado mal quando vinha chegando em casa. “Isso foi coisa de farra...”, a senhora falou e eu me apressei a entrar em casa. Ela continuou falando algo, mas eu não ouvi. Tratei de entrar em casa para fugir de todo aquele horror que parecia estar ainda bem próximo de mim.
            Naquele mesmo dia fui para casa dos meus pais. Dois dias depois fui com uma empresa de mudanças pegar meus poucos pertences. Minha mãe insistiu em saber o que tinha me feito abandonar a nova casa. O tempo todo ela insinuava que eu tinha sido assaltado ou coisa parecida. Não me animei a contar a história daquela coisa que urrava. Mas não lhe ocultei tudo. Disse-lhe que a casa, a rua me dava arrepios e eu tinha dificuldade de dormir. Meus pais disseram que eu poderia ficar o tempo que quisesse. Obviamente não ouvi mais os urros daquela criatura, mas sua imagem ficou gravada em minha mente e, embora eu a tivesse visto por pouco mais de um minuto, era algo bastante nítido. Tanto que, as vezes a noite demoro a dormir lembrando de sua face e urros, além dos sonhos recorrentes que tenho com sua visão de puro horror. Já fazem 10 anos que isso ocorreu, mas eu recordo tudo tão bem como se tivesse acontecido há uma semana. Nunca encontrei uma explicação clara para o que aconteceu. Quem ouviu de mim o acontecimento, falou em sonhos acordados. Não posso especular mais nada, só tenho a certeza de que o horror existe com mistérios absolutos e aparentemente sem propósitos.

domingo, 7 de outubro de 2018

A COISA QUE URRAVA parte 1 (Contos de terror)

Eu tinha 25 anos quando fui morar sozinho. Acabara de sair da faculdade e conseguira um bom emprego num famoso escritório de advocacia. Lá eu ia aprender com os melhores e teria imensas chances de ser um grande advogado. Confesso que tudo vinha da assistência do meu pai e de uns tios que tinham uma larga tradição em direito na cidade. Talvez foi exatamente por isso, essa ajuda presente em todos os estágios da minha vida, que fez aumentar o meu desejo de ir morar sozinho. E num lugar que minha família tradicional e super protetora não aprovava. Eu ganhava um bom dinheiro, mas não era ainda suficiente para pagar o aluguel de uma casa num dos bairros mais nobres da cidade. Para mim era tranquilo viver numa pequena e simpática casa na periferia. Meus familiares foram contra, se ofereceram para ajudar no aluguel de uma moradia melhor, mais bem situada. Não aceitei. Disse que eles tinham me ajudado a vida toda e eu queria agora galgar os degraus da vida sem segurar na mão de ninguém. Eles já tinham feito muito. Eu era grato, mas queria mudar as coisas. “Esse emprego no escritório é representa muito, me deixem andar com minhas próprias pernas a partir de agora”, eu disse. Meu pai disse que entendia. Minha mãe fez um ar insatisfeito. Meu tio sorriu e deu uns tapinhas nas minhas costas. “Dá-lhe, garoto! Você sabe o que tá fazendo! ” Eu sempre tivera uma vida privilegiada, tinha reconhecido e dado valor aquilo tudo, era extremamente grato e achava que tinha recebido mais que o suficiente. A maior preocupação da minha mãe era porque eu estava indo para um bairro mal afamado, violento e repleto de traficantes. “Você não vê como as coisas estão? ”, indagava minha mãe com uma expressão que fazia a testa dela ficar toda franzida. Disse que estava decidido. As discussões acabaram e eu me mudei. Lembro que me sentia muito eufórico, senhor do meu destino. Levamos minhas poucas coisas para nova casa e eu comecei a me estabelecer. Digo nova casa, me referindo à novidade de morar sozinho, mas a casa em si era um tanto antiga. Não que estivesse caindo aos pedaços, era muito bem conservada por sinal. Simples e bem estruturada, pintura nova e tudo mais. Na primeira noite lá, eu fiquei acordado até tarde estudando alguns papéis, adiantando coisas do trabalho. Tomei uma taça de vinho e me deitei no carpete recentemente colocado. Recordo que a sala era o único cômodo devidamente organizado naquela primeira noite. Ouvi alguns urros estranhos, mas não dei atenção a isso. Estava muito cansado e acabei dormindo ali mesmo. A semana se passou e durante esse tempo eu dormi na sala. Depois do primeiro final de semana, deixei tudo em ordem e dormi a primeira noite no quarto, o quarto principal que ficava na parte frontal da casa. Ouvi mais claramente os urros, pouco antes de dormir. Escutava esses urros intercalados por latidos de cães, vozes de pessoas que passavam pela rua, sons dos poucos automóveis – era uma rua estreita, pouco movimentada; de maneira que não dei atenção. Na outra noite, chamei uns amigos para uma pequena festinha. Fui dormir às 4 da manhã um tanto leve por causa do vinho, mas lembro, claramente que nessa noite dei mais atenção aqueles sons estranhos antes de dormir.
            Então aquilo se tornou rotina. Sempre antes de dormir eu ouvia urros, gemidos agudos que se estendiam indefinidamente. Eu sentia que havia algo de estranho naquilo, mas sempre tentava ignorar. Uma noite sonhei que entrava na minha casa um monstruoso cão negro de olhos vermelhos. O bicho não latia nem rosnava, apenas emitia os urros que eu costumava ouvir quando deitava na cama à noite. Aquela coisa partia para cima de mim e eu me encolhia todo em atitude de defesa. Acordei num susto quase igual aquelas cenas que vemos em filmes quando o sujeito acorda em sobressalto, suado e ofegante. Tentei me acalmar e disse a mim mesmo que tudo não passava de um sonho. Foi aí que eu ouvi claramente aqueles urros que estavam terríveis como nunca naquele momento. Pela primeira procurei a fonte daqueles sons. Levantei, fui até a janela, abri as persianas e olhei para fora. A vista era bastante limitada: via meu jardim com algumas poucas plantas e parte da rua depois do portão. Tive a impressão de que o som vinha da rua, não era algo que estivesse trancando em algum lugar.
            Num dia pela manhã interpelei um vizinho sobre aquele barulho. Ele disse não ter ouvido nada. Estranho era que ele morava bem ao lado da minha casa. “Desde a primeira noite que dormi aqui que escuto isso”, falei. O sujeito me olhou confuso. “Talvez seja um cachorro de rua”, ele supôs fazendo um ar condescendente que indicava que era óbvio que ele não estava interessado naquele assunto. As noites seguiram e sempre antes de dormir aquilo me atormentava. Tentei de várias maneiras ignorar aquilo: leituras, programas de TV, celular, computador, mas minha mente sempre se voltava para aquele barulho infernal. Não queria muito admitir, mas aquilo causava algo estranho em mim e eu não sabia dizer o que era. Não era somente o som, pois o mesmo não era alto a ponto de impedir o sono. Ouvir aquilo, mesmo que em um tom menor já era exasperante. Digo isso com toda a certeza porque dormi nos outros quartos e a perturbação era a mesma. Mas o que era um persistente, intenso e curto incomodo – isso durava até eu conseguir dormir -  aumentou e, os quinze vinte minutos antes de dormir ouvindo aquilo, se prolongou para uma hora, duas... Três. Meu tempo de sono foi diminuindo. O tormento atrasando o sono e se intercalando entre ele, ou seja, eu demorava a dormir e depois acordava por causa dos urros e não dormia mais. Algo que de início não tinha acontecido